Determinação da Taxa Básica de Juros Via Algoritmo e a Previsibilidade da Economia II

por João Pedro Silva

O charme do capitalismo é justamente poder trabalhar com capital dos outros. Sempre que eu tomo um Uber, minha primeira pergunta é se o carro é do motorista ou alugado. Geralmente, quem usa carro próprio pago a prestações diz que, quando ele terminar de pagar, o carro é dele. Eu rebato dizendo que o que resta do carro é dele, pois ele terá usado o veículo para pagá-lo. Por simples que possa parecer, não é óbvio. Se fosse, não precisaríamos mostrar aos alunos ligados às matérias de finanças, o que significa payback.

Para quem não é versado no tema, payback refere-se a que, quando se usa capital próprio, independentemente de o projeto ser aderia ao Uber, ou montar uma usina atômica, antes de começar a lucrar, a atividade precisa pagar o investimento inicial. Se formos falar em fluxo de caixa, o investimento inicial feito com capital próprio faz com que se parte de um saldo negativo. Ele permanece abaixo de zero até que o lucro obtido seja capaz de o recuperar, considerando que, ao decidir por investir, o empresário abriu mão dos juros que obteria no mercado financeiro, caso optasse por fazer coisa alguma. Um carro usado para a Uber, por exemplo, pode se desgastar totalmente muito antes de o motorista recuperar o investimento, só que, geralmente, ele não percebe isso.

Embora Irving Fisher tenha cunhado o termo “ilusão monetária”, quem o tornou popular foi John Maynard Keynes. O termo considerava que os agentes econômicos tendem a pensar na moeda nominalmente, não pelo seu real poder de compra. O cidadão pode se sentir mais rico a partir de um aumento de salário, mesmo que este não cubra as perdas advindas da inflação. Os economistas monetaristas, especialmente os adeptos da escola das Expectativas Racionais, termo criado por John Muth, mas popularizado por Robert Lucas Jr.

Nesse pensamento, os agentes usam tudo o que sabem para tomar suas decisões, sendo capazes de antecipar as ações do Estado e esterilizar suas políticas. Essa é uma discussão que não tem fim, pois os agentes econômicos tendem a agir mais racionalmente em alguns aspectos e não em outros, consoante estarem dentro ou fora do mercado. Esse parece ser o entendimento mais equilibrado, o que resulta no que os militantes das teorias dos jogos consideram como assimetria de informações. É que um investidor conhece o mercado em que opera – talvez, agricultura – mas pode não conhecer outro, como o mercado financeiro por exemplo. É justamente essa assimetria de informações que permite que os faria-limmers deitem e rolem, inclusive, ditando o comportamento do Banco Central.

Como os juros são o preço do dinheiro, é plausível pensar que os agentes econômicos não entendam perfeitamente como isso os afeta, daí poder-se empregar a ideia de ilusão monetária para a tomada de decisão entre investir ou poupar. Um adepto da Uber pode sofrer os efeitos da ilusão monetária ao colocar seu veículo à disposição dessa atividade e ficar preso a ela indefinidamente, pois não terá recursos para abandoná-la. Um outro motorista, que tenha optado por alugar um carro para isso, parte de um saldo zero em fluxo de caixa, de tal sorte que todos os recursos que ultrapassem o valor do aluguel compõem o lucro da atividade e, quando ele a quiser basta devolver o automóvel, o que reduz muito o custo de abandono. Sim, abandonar uma atividade sempre tem custo, visto que haverá compromissos assumidos, por exemplo, as parcelas vindouras até quitar o automóvel. Quanto menos compromissos, menor será o custo de abandono, o que vale desde para um motorista de Uber, até o investidor em uma usina nuclear.

O Estado difere de um investimento privado desde seu estabelecimento. Em primeiro lugar, ele existe desde sempre e não pode simplesmente fechar as portas como um particular pode decidir, ou mesmo ser obrigado, a fazer. Dessa forma, o custo de abandono não tem a mesma dimensão que para a inciativa privada. Sair de uma dada atividade, como transporte coletivo ou fornecimento de água e esgoto, passa a ser uma questão política, muito mais que econômica pelo lado do Estado.

Pelo lado dos empresários, que almejam assumir atividades antes providas pelo Estado, o raciocínio é outro e aí voltamos a trabalhar ou não com capital próprio. Por tratar-se de atividade em andamento, pressupõe-se que o investimento inicial já se tenha realizado e que o preço de aquisição seja função da necessidade de caixa do Estado. Assim como um indivíduo pode vender um automóvel por um terço do preço por estar atolado em dívidas, o Estado pode abrir mão de seus ativos por estar pressionado pela obrigação de pagar juros sobre um passivo que pode não existir, como será discutido na próxima semana.

João Pedro Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição. É pré candidato a vereador em São Paulo pelo PT.

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Última Atualização: 10/07/2024