Determinação da Taxa Básica de Juros Via Algoritmo e a Previsibilidade da Economia IV

por João Pedro Silva

Até agora, chegou-se à conclusão de que um modelo estocástico é a negação da memória no que tange à situação em um dado momento, ou mesmo num dado intervalo de tempo. Falta imaginar o que vem a ser o equilíbrio geral. O entendimento requer um conhecimento matemático que a maioria das pessoas não têm, mas podem ter, desde que partindo de um modelo simplificado. Imaginemos que, por simplificação, as apostas na Mega-Sena sempre somem R$100 milhões. Imaginemos agora que, caso não haja acertadores, 70% sejam acumulados para o próximo sorteio e os 80% restantes sejam apropriados pela Caixa Econômica Federal. Por fim, suponhamos que, pelo menos, por dez sorteios ninguém ganhe, teremos a seguinte sequência de valores:

Andrei Markov (1856 -1928) foi um matemático russo que se dedicou a desenvolver a ideia de modelos estocásticos. Dizem que foi ele que cunhou o termo. Na planilha acima, pode-se dizer que a primeira coluna é o número da etapa, a segunda representa a matriz de estado, a terceira é a transição de uma etapa para a seguinte, a quarta é o valor estimado para a próxima etapa, finalmente, a quinta mostra o acréscimo entre as etapas.

 Notem que os acréscimos são decrescentes, começando por R$70 milhões e, na nona semana, chegando aos pouco menos de R$3 milhões. Se nunca houvesse ganhadores, o valor da soma de apostas seria de R$333.333.333,33. 70% desse valor são R$233.333.333,33 e, como o novo jogo é de R$100 milhões, o total volta aos R$333.333.333,33 e assim permanece até o fim dos tempos. Essa é uma cadeia de Markov com apenas uma variável. Mas não seria necessário um matemático do porte de Markov para trabalhar com uma variável somente. Gauss (1777 – 1855), setenta anos antes, já tinha calculado o limite da soma de uma progressão geométrica com razão menor que 1 e maior que zero como bastando dividir o valor inicial pelo complemento da transição. No exemplo acima, é a divisão dos R$1 milhão por 30%.

A contribuição de Markov foi estender o raciocínio para um conjunto de variáveis, dando origem aos modelos dinâmicos estocásticos. São dinâmicos porque representam um processo que pode ter infinitas etapas e são estocásticos porque cada uma delas é uma solução independente das anteriores e das posteriores. A diferença é que, em vez de uma tabela como aqui apresentada, no lugar da segunda coluna, entre uma matriz de status e, no lugar da quarta coluna, entre uma matriz de transição, que representa a probabilidade de os valores de cada uma das variáveis migrarem para outra.

Parece complicado mas não é. Suponha-se que, num país fictício, a energia consumida possa ser elétrica ou térmica. Suponha-se agora que  a elétrica possa se transformar em térmica como em um chuveiro elétrico e que o calor possa se transformar em eletricidade como em uma termoelétrica. Se soubermos com que probabilidade se dá essa transmutação, poderemos estimar como será o consumo de energia total no próximo período. O passo seguinte, é calcular o estado estacionário, quando os valores param de se alterar ao longo das etapas, exatamente como no exemplo da Mega-Sena, porém, com duas variáveis. Funciona sempre? Não. É preciso que o modelo seja convergente e que os resultados sejam coerentes. Trinta anos atrás, orientei um trabalho em que se usava esse processo para verificar se, numa fazenda de gado, seria possível manter um desfrute para um rebanho de equilíbrio, ou seja, que se pudessem vender alguns animais sem que o total do rebanho se alterasse. O rebanho de equilíbrio era negativo, ou seja, incoerente, provando que o modelo não converge. Não havia, portanto, o tal equilíbrio geral que o Banco Central vive procurando.

Digamos que o modelo usado pelo Banco Central seja convergente independentemente das probabilidade inerentes a cada uma das variáveis, que são muitas. Imaginemos agora que essas percentagens sejam dadas pelos agentes econômicos consoante suas expectativas que, como se viu nos capítulos anteriores, supõe-se que sejam racionais sempre. Então, para cada conjunto de percentagens haveria uma taxa de juros que levaria ao equilíbrio geral. É na estimativa das probabilidades (percentagens) que entra o Boletim Focus.

Tudo o que expliquei até agora encontra-se sob a forma de expressões matemáticas em inúmeras publicações, daí não ver necessidade de submeter o leitor a semelhante tortura. Basta que se entenda o mecanismo e suas limitações. Tenha-se a certeza de que o modelo empregado é infinitamente mais elaborado do que o que se apresentou nesta matéria. Estejamos todos igualmente certos de que quem os elaborou tem conhecimento profundo do tema, provavelmente, muito mais do deste autor. A intenção desta série é somente discutir se as premissas usadas são verossímeis e se os policy makers não o estão usando para mascarar intenções de ganho pessoal ou dos grupos que representam. Essa discussão será aprofundada na próxima semana.

João Pedro Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição. É pré candidato a vereador em São Paulo pelo PT.

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Última Atualização: 23/07/2024