A formação de políticas em saúde transcende o local e o nacional, é uma agenda universal

Por Ana Luiza Silva e João Pedro Silva (*)

O século XX representa um período em que a formação do chamado Estado de bem-estar social, onde a formação e implementação de políticas públicas têm cada vez mais relação com aspectos sociais de nossa sociedade. A formação de legislações sociais toma corpo como as leis trabalhistas, direitos do consumidor, direito sanitário, leis de proteção a determinados grupos a partir de critérios etários, como idosos e menores, ou em razão de outras situações em que o nosso conceito de vulnerabilidade vai se desenvolvendo neste período (e ainda continua). Não é a toa que o historiador britânico Eric Hobsbawm comenta que o século é a Era dos Extremos, pois também é marcada por conflitos de proporções mundiais e onde percebemos o quanto ciência e tecnologias podem intervir em nosso cotidiano tanto para salvar vidas e melhorar nossa qualidade de bem viver, quanto para degradar nosso futuro ou também na nossa relação com os processos de viver ou morrer dignamente. O conhecimento científico, portanto, poderia ser usado como forma de controle social e justificativa de poder.

Nesse sentido, percebemos a importância do respeito à autonomia de cada pessoa, numa perspectiva de pluralidade moral, onde dentro de uma democracia todos, sem distinção, devem ter condições de fala e espaço para isso. Mas para exercer autonomia, a pessoa precisa não só ter acesso à informação, mas também se apropriar desse conhecimento. Políticas de acesso à serviços saúde devem ser pauta de todos e todas. Atenção em primeiro nível tem relação com a porta de entrada dos serviços e com a complexidade das pessoas que habitam ou circulam nos territórios. Isso não significa que deve ser apropriado somente por quem tem dados e conhecimento específico de área ou trabalha nas equipes. O controle social como espinha dorsal do SUS tem íntima relação com a necessidade de que as pessoas saibam e com isso possam exigir e avaliar a qualidade dos serviços e dos acessos.

A importância da descentralização da gestão do SUS tem íntima relação com isso, pois a demanda e execução dos serviços deve ocorrer a partir das necessidades locais. Mas os conselhos locais de saúde se mostram muitas vezes esvaziados e com pouca participação. Muitas vezes, os conselheiros sequer sabem de suas funções, em muitos casos, apesar do interesse legítimo em participar das reuniões, não dão conta e acabam com o tempo perdendo o interesse inicial. Muitas vezes a própria relação entre gestor e conselho não ocorre de forma positiva, gerando ainda mais um ambiente em cuja potencialidade da troca acaba se tornando um centro de disputa.

O Conselho Nacional de Saúde em sua última reunião, no dia 18 de dezembro, trouxe dados importantes do projeto Participa+, pelo qual procura promover rodas de conversas e oficinas de educação permanente com os conselheiros locais de saúde, procurando discutir e promover a participação destes na formação de políticas locais saúde. O projeto está presente em mais de mil municípios brasileiros e mobilizou mais de 10 mil pessoas segundo dados do órgão.

A construção de narrativas em que o corpo e suas camadas/individualidade não são sinônimos, e que por inúmeras interferências e argumentos haverá agrupamentos tidos como detentores dos crivos subjetivos de prioridades. Nesta toada, a individuação se estabelece como ser vivente ou seja, com sua completude e singularidade, sem ranqueamento a partir das inúmeras vivências que o indivíduo performa/relata/queixa sobre violência. Nosso embasamento entende que não se trata de individualizar um corpo, pois o corpo pode retratar, refletir uma imagem (existências e narrativas), são construções e poder constituído através do estabelecimento do conhecimento onde muitas interpretações reproduzem discursos dominantes e que agrupa esses corpos em categorias, enviesando sua individualidade e, portanto, sua singularidade se associa a outras como na metáfora do imitador de vozes (referência ao autor Thomas Bernhard), onde o fazer parte da sociedade, por exemplo, requer diferentes papéis e como tais tem seus graus de representatividade.

A formação de políticas públicas, ou a própria anamnese ou entrevista preliminar, vê o corpo como primeira camada, às vezes única, e a partir dela teça conclusões e respostas. O descolamento precisa ocorrer entre indivíduo e corpo, pois os espaços de violência institucionais, ou naturalizados residem em muito nesta relação, uma vez que classificações (e reducionismos) são reproduzidos, já que (ainda) defendem certezas. Essas discussões e os processos de formação do significante não precisam estar só ou num sentimento de estrangeiro, numa metáfora sentida por muitos e muito bem utilizada pelo autor francês Albert Camus e seu personagem Mersault cuja expressão “tanto faz” ao ser solicitado sua opinião o personifica.

A falta do exercício do controle social tem ambiguidades importantes a serem debatidas, pois há um esgotamento de uma estrutura reprodutora de isolamentos a partir de processos de tomadas de decisões em que as pessoas não são parte integrante do processo constitutivo do fazer, ou seja, não se sentem compelidas e responsáveis por compor esses espaços.

(*) Ana Luiza Silva é psicanalista e mestre em Saúde Coletiva; João Pedro Silva é advogado e professor da Unipampa.

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Last Update: 28/12/2024