A recente descoberta de uma nova reserva de lítio na China, anunciada pelo Serviço Geológico do país, pode elevar a participação chinesa nas reservas globais de 6% para 16,5%. Com estimativas entre 6,5 e 30 milhões de toneladas, a China se tornaria o segundo maior detentor de lítio. No entanto, a Bolívia ainda lidera o ranking com 23 milhões de toneladas, seguida pela Argentina (22 milhões) e Chile (11 milhões), de acordo com o United States Geological Survey (2024). Esses números podem variar conforme novas descobertas são feitas e as metodologias de estimativa são aprimoradas.
Para entender o impacto dessa descoberta e o papel do Brasil no setor, o Portal Vermelho entrevistou a professora Ana Carolina Russo, do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
A descoberta reforça a importância do lítio como recurso estratégico na transição energética, especialmente para a produção de baterias de veículos elétricos e armazenamento de energia renovável. O lítio pode substituir o petróleo como principal fonte de riqueza natural?
“O lítio tem sido frequentemente comparado ao petróleo por sua importância na transição energética. Mas sua exploração depende de fatores como viabilidade econômica, infraestrutura e políticas regulatórias”, explica a professora Ana Carolina.
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América do Sul: o “Triângulo do Lítio”
A América do Sul, especialmente a região conhecida como “Triângulo do Lítio” (Argentina, Bolívia e Chile), concentra a maior parte das reservas globais. No entanto, a produção é dominada por países como Austrália e China, que possuem operações mais industrializadas e eficientes. “Apesar das grandes reservas, a América do Sul ainda enfrenta desafios para agregar valor à cadeia produtiva, como o refino e a fabricação de baterias”, destaca a especialista.
A professora ressalta que, diferentemente do petróleo, cuja exploração é controlada pela OPEP, o mercado de lítio é mais fragmentado e depende de avanços tecnológicos e investimentos em infraestrutura.
Alternativas ao lítio e desafios tecnológicos
A crescente demanda por lítio, um minério raro, tem impulsionado a busca por alternativas, como baterias de sódio-íon, que utilizam um elemento mais abundante e barato. Empresas chinesas, como a CATL, já iniciaram a produção comercial dessas baterias, mas sua densidade energética ainda é inferior à das baterias de lítio, limitando seu uso em veículos elétricos de longa autonomia.
Outras opções em desenvolvimento incluem baterias de estado sólido, mais seguras e eficientes, mas ainda caras, e baterias baseadas em magnésio, zinco e enxofre, que enfrentam desafios técnicos para alcançar viabilidade comercial. “A inovação tecnológica será crucial para reduzir a dependência do lítio e minimizar os impactos ambientais da mineração”, afirma Russo.
China x EUA: quem está na frente na corrida pelo lítio?
A China atualmente domina a cadeia produtiva do lítio, refinando aproximadamente 60% do minério mundial e liderando a fabricação de baterias. Empresas como Ganfeng Lithium e CATL controlam grande parte da extração e processamento global. Em 2023, o país refinou cerca de 60% do lítio mundial, já os Estados Unidos, embora estejam investindo na reestruturação de sua cadeia produtiva, ainda dependem fortemente de importações.
“Essa disputa reflete a importância estratégica do lítio na economia global. Países que conseguirem dominar a produção e a tecnologia estarão em posição de liderança no futuro”, avalia a professora.
Segundo a consultoria Rystad Energy, a China continuará a dominar a produção global de baterias de íons de lítio neste ano, já que os fabricantes contornarão tarifas mais altas transferindo suas bases para outros países. Chen Shan, analista de mercado de baterias da consultoria norueguesa, diz que a decisão dos EUA e da Europa de impor tarifas mais altas aos carros elétricos chineses levará mais fabricantes chineses de veículos elétricos e baterias a considerarem estabelecer fábricas no exterior para reduzir custos e aumentar a competitividade.
Oportunidades para o Brasil
O Brasil possui reservas significativas de lítio, estimadas em 730 mil toneladas, concentradas principalmente no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Recentemente, o governo flexibilizou as normas para exportação do minério, o que pode posicionar o país como um exportador relevante. No entanto, Ana Carolina destaca que o maior potencial econômico está na agregação de valor à cadeia produtiva.
“O Brasil precisa investir em infraestrutura tecnológica e estabelecer parcerias estratégicas com China, EUA e Europa para refinar o lítio e fabricar baterias no próprio país, em vez de apenas exportar a matéria-prima”, explica. A especialista também ressalta a importância de políticas públicas que incentivem a sustentabilidade e a reciclagem de baterias, reduzindo os impactos ambientais da mineração.
Impactos ambientais e futuro do mercado
A mineração de lítio consome grandes quantidades de água e afeta ecossistemas sensíveis, especialmente em regiões desérticas como o Chile e a Argentina. Além disso, a reciclagem de baterias tem ganhado destaque como forma de reduzir a dependência da mineração e minimizar os impactos ambientais.
“O futuro do mercado de lítio dependerá da capacidade de inovação tecnológica, da sustentabilidade da extração mineral e do desenvolvimento de cadeias produtivas nacionais”, conclui ela. “Os países que conseguirem dominar e equilibrar esses aspectos estarão na vanguarda e melhor posicionados na economia global do futuro”, conclui.
As informações citadas pela professora foram baseadas em dados do Serviço Geológico da China, United States Geological Survey, Agência Nacional de Mineração e relatórios da International Energy Agency e BloombergNEF. A análise incluiu referências a estudos acadêmicos e relatórios técnicos sobre tecnologias de baterias e impactos ambientais da mineração de lítio.