Reimont Otoni, deputado federal do PT do Rio de Janeiro, publicou um texto na última terça-feira (20) intitulado Janja está certíssima!, no sítio Brasil 247. O artigo, no entanto, poderia muito bem ter sido escrito por algum participante das marchas ocorridas em 1964 conhecidas popularmente por “Marcha Pela Família”.
Isso porque o texto é um pedido para que a censura volte com tudo no País, inclusive com os mesmos argumentos dos censuradores da ditadura de 1964. Reimont pede, por exemplo, que a Internet seja “regulamentada”, que se coloque limites no que acontece na Internet, – em prol, é claro, da família, das crianças e das mulheres, segundo o próprio deputado.
O que acontece de fato, no entanto, é que a “regulação”, ao colocar limites no que pode ser dito ou publicado nas redes sociais, permite um maior controle da burguesia sobre o debate público. Não é à toa que quem defende de maneira mais fervorosa essa política é justamente os setores que, antes da Internet, controlavam completamente esse debate através da televisão, dos jornais e das rádios. Ou seja, a burguesia ligada aos grandes jornais O Globo, por exemplo.
Fato é que o imperialismo não pode conviver com uma Internet livre. Vimos, por exemplo, no caso do genocídio em Gaza, como praticamente todos os meios de comunicação tradicionais escondem o que “Israel” faz, tentando passar a ideia de que os vilões da história são os militantes dos partidos da resistência, como o Hamas. Cabe notar que o deputado Reimont não se importa com as crianças palestinas, nesse caso, e faz coro com o sionismo dentro do Brasil para censurar a Internet.
Vejamos alguns argumentos do parlamentar:
“Janja está certíssima ao defender que ‘por mais que algumas pessoas se sintam incomodadas ou achem que não cabe a mim falar, questionar ou discutir sobre isso, reforço o meu compromisso de seguir lutando por um espaço digital respeitado, principalmente, porque me preocupo imensamente com as mulheres e crianças deste país, as principais vítimas dos crimes digitais’.”
Se há algo que se possa dizer sobre o direito de Janja, é que a primeira-dama, assim como todos os brasileiros, segundo a Constituição Federal, têm o direito de se expressar livremente, ainda que isso possa ferir os sentimentos do deputado petista. A política de censurar a Internet, portanto, fere o mesmo direito fundamental que Reimont defende para Janja.
Na sequência, ele diz:
“Até protocolarmente, é função da primeira dama do país se envolver em ações sociais e iniciativas de interesse público. E a regulação digital é de alto interesse público. Precisamos discutir o dano que o descontrole do espaço digital vem causando às pessoas, famílias e sociedade. E isso exige o engajamento de todos.”
Quem disse que a “regulação digital” é de interesse público? A população foi sequer consultada sobre o assunto. Reimont se baseia na opinião da Folha, d’O Globo e do Estadão para dizer que o povo clama por repressão, e não no que diz a população. No próximo texto, o deputado poderia melhorar a frase de “danos às famílias” para “danos às famílias, à moral e aos bons costumes” para se adequar mais a suas próprias ideias.
No parágrafo seguinte, vemos quais são as fontes do deputado:
“A série ‘Adolescência’, da Netflix, lançou luzes sobre os graves impactos do ambiente digital na formação emocional, moral e psicológica de crianças e jovens. Mostrou como as redes sociais podem ser profundamente nocivas e gerar problemas de saúde mental, vício e desinformação.”
É interessante notar como um deputado federal de esquerda pode ficar tão a reboque da política imperialista. Basta que o imperialismo produza uma série dizendo ser a favor das crianças e adolescentes para que todas as conclusões desta série sejam tomadas como verdade.
Segundo a política que vem dominando a esquerda pequeno-burguesa, a Internet, as redes sociais, a inteligência artificial e tudo o que é novidade no que diz respeito ao mundo digital é ruim e deveria ser riscado do mapa. A esquerda só se esquece que, antigamente, quando a Internet ainda não fazia parte da vida dos brasileiros, toda a política dependia dos meios de comunicação da burguesia. Por exemplo, em 1989, a Globo ajudou Collor a se eleger no lugar de Lula. Durante a Lava Jato, a Globo, a revista Veja e afins foram essenciais para o golpe de Estado.
A Internet e as redes sociais quebraram esse monopólio, mas, hoje, a esquerda, que deveria se beneficiar disso, faz coro para um controle sobre a Internet junto aos maiores golpistas do País.
Continuando o texto, agora uma fonte direta do imperialismo:
“Um estudo da Universidade de Oxford, publicado em 2024, revelou que adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes têm 60% mais chances de desenvolver depressão.”
A ideia também é interessante. Já que 60% dos jovens que acessam a Internet por mais de três horas por dia têm depressão, logo, a depressão é causada pela Internet. Como se vivêssemos em um mundo lindo, em que não há guerras, pobreza, genocídios e várias outras coisas que acabam com a sanidade dos seres humanos. Mas o problema é que os jovens acessam a Internet…
As drogas, por exemplo, também causam depressão, vício, violência e vários outros problemas para os usuários. Ainda assim, é preciso lutar pela legalização de todas as drogas, a proibição simplesmente não resolve o problema. Ou Reimont será a favor de mais repressão também neste caso?
Sendo assim, mesmo que fosse verdade que é a Internet que causa depressão nos jovens, não se resolverá o problema impedindo que acessem determinados conteúdos.
Em outro parágrafo, o deputado continua a ideia:
“As redes trabalham intensamente para atrair crianças e adolescentes. Veiculam conteúdos que sugerem sucesso, empoderamento e reconhecimento a partir de desafios de extrema periculosidade e, muitas vezes criminosos.”
Reimont, portanto, seria partidário de proibir tudo que poderia induzir os jovens a cometerem algum erro grave? Porque, se é o caso, deveríamos voltar a proibir, dentre centenas de outras coisas, livros no Brasil.
No final do século XVIII, por exemplo, o maior escritor da literatura alemã, Johann Wolfgang von Goethe, publicou o famoso livro Os sofrimentos do jovem Werther. Alerta para spoiler: no final do livro, o protagonista se suicida com um tiro na cabeça. Após o livro ser publicado, vários jovens passaram a se suicidar (e sem Internet!), com vários suicídios coletivos, inclusive, algo que afetou o escritor pelo resto da vida.
Seria Reimont favorável a proibir a publicação do livro em questão no Brasil? Outra pergunta: foi o livro que causou as mortes? Ou foram as mortes expressão de uma sociedade cada vez mais decadente? De problemas sociais cada vez mais explícitos?
Era final do século XVIII, uma década e meia antes da Revolução Francesa e a Europa vivia o final de um período histórico, um período de decadência parecido com os dos dias de hoje. A crise era enorme, com vários movimentos populares e artísticos eclodindo por toda a região. O sistema feudal estava para acabar, mas antes disso, a população agonizava o fim desse regime, antes das revoluções que consolidaram o capitalismo e a burguesia no poder.
Vivemos uma situação parecida. O capitalismo agoniza e a população sofre com a decadência desse sistema, o que é natural e próprio da história da humanidade. Esse sofrimento acaba por se expressar de diferentes maneiras, fazendo com que as pessoas usem drogas, cometam crimes e tomem atitudes que não aconteceriam em um regime saudável.
Mas, Reimont segue e pede a censura até para proibir gírias da juventude, com uma política de tutela da vida alheia, não considerando os direitos da população:
“A busca frenética por likes e engajamento inclui apelos à beleza, ao consumismo, ao sucesso financeiro tão fácil quanto ilusório, à sexualidade distorcida, a estupros e automutilações coletivos, à pornografia infantil, a ataques a populações vulneráveis, ao crime. As mensagens trocadas são repletas de ódio a pobres, mulheres, negros, deficientes, população LGBTQIA+ e até ao trabalho formal (‘CLT’ virou xingamento, nas redes de jovens!).”
Por fim, vemos que o deputado não somente escreve, mas age com o intuito de ajudar a burguesia a consolidar uma ditadura no Brasil, uma ditadura que irá se voltar inclusive contra o próprio PT:
“Na presidência da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, solicitei a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria-Geral da República, a suspensão das atividades das plataformas Discord e 4chan, após a revelação dos planos felizmente frustrados de um atentado à bomba ao show da cantora Lady Gaga – em grave ameaça às mais de 2 milhões pessoas reunidas em Copacabana.”
Uma última dúvida, se a suposta tentativa de atentado (novamente, a falta de criticidade de quem diz lutar contra as mentiras na Internet) fosse feita por cartas, o deputado proporia o fechamento dos Correios?