do Observatório Internacional do Século XXI

Depois do ataque

por Wagner Sousa

A guerra de 12 dias entre Israel e EUA contra o Irã findou-se, ao menos por ora, com os bombardeios norte-americanos a instalações nucleares iranianas, em especial à usina de Fordow, instalada nas profundezas de uma montanha, pensada para resistir à ataques com bombas convencionais. Como amplamente divulgado, foram utilizadas nesta ação poderosos artefatos, as mais destruidoras “bombas anti-bunker”, em tese propícias para destruir este local subterrâneo de enriquecimento de urânio.

Donald Trump e Benjamin Netanyahu assumiram pose de vitoriosos; o mandatário estadunidense anunciou que o alegado programa nuclear militar do Irã foi “obliterado”, o primeiro-ministro israelense, ainda mais triunfalista, disse que a ação norte-americana “mudará a história” e pode abrir caminho para “um futuro de prosperidade e paz”. Já o Pentágono divulgou que, segundo seus informes de inteligência, os iranianos estariam a aproximadamente dois anos de conseguir a bomba, mas para outro relato da inteligência dos EUA o dano estaria reduzido a alguns meses de atraso em seu possível (e provável) objetivo nuclear militar. O aiatolá Ali Khamenei disse em discurso, logo após o fim dos ataques, que “nada de significativo” aconteceu com as instalações nucleares atingidas pelos EUA.

Retórica de lado a lado à parte, mesmo o Mossad (o serviço secreto israelense) e sua contraparte norte-americana CIA não podem garantir com total certeza que todas as instalações nucleares do país foram destruídas. É possível e até provável que um país há décadas ameaçado de ser atacado tenha várias instalações secretas e que parte delas não tenha sido descoberta pela inteligência ocidental, como também é grande a possibilidade de que o urânio já enriquecido tenha sido retirado das usinas atacadas. E mais importante, o país desenvolveu competência na área, o que não se perdeu e possui muitos cientistas e técnicos capazes de construir novas centrífugas e retomar o processo de enriquecimento de urânio.

Tendo em vista o colocado no parágrafo anterior, a opção pela “via militar” tem grande chance de se revelar ineficaz e provocar o efeito contrário: comprometer ainda mais a liderança e o Estado iraniano com o objetivo de possuir artefatos nucleares, vistos como único meio de garantir a segurança do país e aumentar o seu poder de barganha.

 Em 2015, o “Plano de Ação Conjunta Global” (JCPOA, na sigla em inglês) foi assinado pelo Irã e pelo “P5 + 1” (os cinco integrantes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha). Este instrumento, por meio de inspeções periódicas, buscava controlar as atividades nucleares do Irã e manter baixo o nível de enriquecimento, propício para o uso civil. O acordo esteve em vigor até 2018, quando o então presidente Donald Trump resolveu abandoná-lo, assim como retomar as sanções ao país, em divergência com os outros signatários do acordo, mas em conformidade com o desejo de Benjamin Netanyahu, que vem defendendo um “ataque preventivo” ao Irã há décadas. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), à época, informou que certificou 11 vezes desde 2016 que o Irã estava cumprindo suas obrigações referentes ao acordo, embora tenham sido registradas algumas violações técnicas, as quais foram corrigidas.

Israel, potência nuclear da região, tem estimadas 90 ogivas segundo a Arms Control Association, não faz parte do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e também não admite explicitamente que as possui. O país tem seguido, desde a década de 1980, a estratégia de eliminar as capacidades nucleares de qualquer ator da região, como o fez com o Iraque e a Síria, que possuíam os seus programas e repete a estratégia com o Irã, com apoio dos EUA. Mas, ao que parece, se prevalecer o belicismo sobre a diplomacia, Israel e EUA precisarão, periodicamente, empreender “ataques preventivos” ao Irã, quando se verificarem novos sinais de avanço em seu programa de enriquecimento de urânio. É uma aposta na guerra e na instabilidade, que pode significar eventualmente uma tentativa mais decidida de mudança de regime no país persa, o que já foi sugerido no conflito recente. E, como afirmado antes, os iranianos serão incentivados a buscar a bomba atômica ainda mais, além de reforçar suas capacidades militares convencionais. O país celebrou, no início deste ano, parceria estratégica com a Rússia, que prevê intercâmbio militar.

O governo de coalizão de extrema-direita de Israel, liderado por Benjamin Netanyahu, vem conduzindo um massacre na Faixa de Gaza, com mais de 60 mil mortos, destruição física da região e enfraquecimento do Hamas, derrotou o Hezbollah no Líbano e viu Bashar Al-Assad ser apeado do poder na Síria, país em que ocupa uma porção ao sul. Na Cisjordânia, em fins de junho, foi anunciado que 22 novas colônias tiveram recente autorização para sua implementação. Surgem notícias de que continuam havendo tentativas, por parte dos governos de Israel e dos EUA, de expulsar os palestinos de Gaza e enviá-los a outros países, o que configuraria limpeza étnica. Embora defendida internacionalmente, estes movimentos vão consolidando a inviabilização da “solução de dois Estados” e implementando o projeto da “Grande Israel”. No entanto, isto traz complicações para a normalização das relações com países árabes, patrocinadas por Trump no primeiro mandato, os chamados “Acordos de Abraão”, no que se destaca um possível acordo com a Arábia Saudita. A questão palestina e a situação de Jerusalém, cidade sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos tem grande apelo na região.

Pode-se dizer, em termos geopolíticos, que tem-se um “enfrentamento em duas camadas”. A disputa regional mais importante entre Israel e Irã com alianças e inimizades com países árabes por parte de ambos e a competição entre as Grandes Potências (EUA, Rússia e China) por influência na região. Na gestão de George W. Bush (2001-2009) os neoconservadores definiram o que seria o “Grande Oriente Médio”. Esta parte do mundo incluiria, além do “Oriente Médio original” também Ásia central, norte da África, Afeganistão e Paquistão. Os Estados Unidos, apoiados por seus aliados da OTAN, fizeram três grandes intervenções neste espaço: Afeganistão, Iraque e Líbia. No último caso se aproveitando de uma rebelião local. Todas resultaram em retumbantes fracassos, os países amargaram centenas de milhares de mortos, tiveram grande destruição física e hoje são fragmentados politicamente e assolados por conflitos, sendo o caso da Líbia o mais dramático.

Do ponto de vista do interesse geopolítico dos EUA o que ocorreu foi que o Iraque, antes rival do Irã se tornou muito influenciado por este, o Afeganistão voltou a ter o Talibã no governo e se aproximou da Rússia e da China, e a Líbia, fraturada, tem parte do seu território comandado por insurgentes apoiados pela Rússia. É neste período, portanto, que a China e a Rússia ascendem e começam a ocupar espaços e construir alianças mais sólidas no “Grande Oriente Médio”, iniciando um desafio à primazia norte-americana. Ambos estabeleceram forte aliança com o Irã em desafio à aliança Israel-EUA. Uma solução para este conflito regional passaria por alguma espécie de “acomodação” entre as Grandes Potências, o que demandaria dos EUA aceitarem maior presença e influência das outras Grandes Potências na região, o que, até aqui, não demonstrou querer aceitar.

Wagner Sousa – Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela Unesp. Atualmente é pós-doutorando em Economia Política Internacional na UFRJ com pesquisa sobre a política externa alemã e suas relações com grandes potências (EUA, Rússia e China).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: https://www.catarse.me/JORNALGGN

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 24/07/2025