Na última quarta-feira (21), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu depoimentos que expuseram a fragilidade da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado em 2022, envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados. O ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, afirmou que participou de uma reunião em 14 de dezembro de 2022, onde o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou um documento batizado pela imprensa como “minuta do golpe”.

Baptista, porém, admitiu não ter lido o texto e disse que se retirou do encontro, alegando ter procedido desta maneira por uma suposta oposição a qualquer golpe. Contradições em seu relato e a ausência de provas concretas reforçam a tese das defesas de que as acusações se baseiam em especulações e “conversas de bar”, como classificou o tenente-coronel Mauro Cid, delator do caso.

Baptista Júnior depôs como testemunha na ação penal contra o “núcleo crucial” da suposta trama, que inclui Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno, o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-assessor presidencial Filipe Martins e Mauro Cid. Eles respondem por crimes como organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, com penas que podem ultrapassar 40 anos.

Conduzida pelo relator Alexandre de Moraes, a sessão também contou com questionamentos do procurador-geral Paulo Gonet e advogados dos réus. O brigadeiro relatou que, em novembro de 2022, reuniões no Palácio da Alvorada discutiam a possibilidade de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para conter supostas convulsões sociais após o segundo turno das eleições.

Ele afirmou que, a partir de 11 de novembro, percebeu que o objetivo era impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em 2022. Baptista disse ter alertado Bolsonaro: “aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro o senhor não será presidente”.

Ele também negou a presença de Anderson Torres nas reuniões e mudou sua declaração anterior à Polícia Federal, afirmando que Torres não participou dos encontros. Sobre a suposta “minuta do golpe”, apresentada por Paulo Sérgio em 14 de dezembro, Baptista declarou: “perguntei se o documento impedia a posse do presidente eleito. Ele disse ‘sim’. Eu falei: ‘Não admito sequer receber isso’ e saí”. O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes também teria rejeitado o documento, segundo Baptista.

Um ponto controverso foi a alegação de que Freire Gomes teria ameaçado prender Bolsonaro caso ele decretasse GLO para fins golpistas. Baptista afirmou: “Freire Gomes, com calma, disse: ‘se o senhor fizer isso, terei que te prender’”. Na segunda-feira (19), porém, Freire Gomes negou a ameaça, dizendo que apenas alertou sobre consequências jurídicas de atos inconstitucionais, sem dar voz de prisão.

Baptista tentou minimizar a contradição, afirmando que não houve “agressividade” e que o general apenas apontou implicações legais. A inconsistência enfraquece a história contada pela PGR, que depende de depoimentos conflitantes e da delação de Cid.

Outro destaque foi a acusação de que o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro. Baptista disse: “Garnier não estava alinhado comigo e com Freire Gomes. Em uma reunião, ele afirmou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente”.

O brigadeiro, no entanto, se contradisse ao afirmar que Garnier também “condenou” a discussão do suposto documento golpista. A defesa de Garnier questionou a credibilidade do depoimento, destacando as contradições.

Baptista também relatou uma conversa com Augusto Heleno em 16 de dezembro de 2022, durante uma formatura no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Heleno, convocado para uma reunião emergencial com Bolsonaro, pediu carona em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB). Baptista aproveitou para alertar: “a FAB, por unanimidade, não apoiará qualquer ruptura. Quem quiser fazer isso, que saiba das consequências”.

Ele justificou a advertência pelo “clima tenso” e pelas declarações de Bolsonaro, que dizia que as Forças Armadas o seguiriam. Heleno, segundo o brigadeiro, reagiu com surpresa à firmeza do aviso.

Um suposto “brainstorming” (“tempestade de ideias”, em português) em novembro, citado por Baptista, teria incluído a cogitação de prender Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele relatou: “surgiu a ideia de prender Moraes, mas logo se disse: ‘o STF dará habeas corpus, e depois? Vamos prender todos?’”.

Baptista não identificou o autor da proposta e classificou a discussão como parte de “tempestades de ideias” sem desdobramentos concretos. Irritado, Moraes destacou o depoimento como prova de “quebra de hierarquia” e “ameaça à democracia”, mas não apresentou provas de ações efetivas para executar tal plano.

Em suas intervenções, o ministro manteve um tom histérico, centrado na propaganda de “defesa da democracia”. Ele afirmou: “as Forças Armadas não decidem nada após as eleições. Quem perde vai para casa e tenta voltar em quatro anos. Não havia crise institucional, apenas inconformismo com as urnas”.

O ministro criticou ainda a “Carta ao Comandante do Exército”, elaborada por militares do “núcleo de ações coercitivas”, chamando-a de “veneno golpista” para pressionar o alto comando. Moraes também rechaçou a descrição de Cid sobre uma reunião dos “Kids Pretos” como “conversa de bar”, dizendo: “se fosse para tomar cerveja, não apagariam mensagens”. A ausência de provas materiais como ordens executadas ou adesão do alto comando, no entanto, resume a denúncia a mensagens e delações.

A defesa de Filipe Martins trouxe um elemento novo: dados da operadora TIM mostram que seu celular estava na Asa Sul, em Brasília, na manhã de 7 de dezembro de 2022, quando a PGR alega que ele participou de uma reunião no Alvorada. Registros de antenas e chamadas telefônicas entre 6h39 e 12h09, além de uma corrida de Uber às 10h19, fornecem uma prova que Martins não esteve no Palácio.

A defesa contesta registros de entrada na portaria do Alvorada, alegando falhas técnicas, e critica Moraes por negar acesso a dados completos da TIM. Os advogados pedem a absolvição, argumentando que apenas a delação de Cid sustenta a acusação, sem corroboração material. Freire Gomes, em depoimento, disse não ter certeza da presença de Martins, reforçando a fragilidade da denúncia.

As declarações de Moraes e dos demais ministros — Flávio Dino, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin — reforçam a propaganda de uma “ameaça à democracia”, mas esbarram na falta de ações concretas.

Dino afirmou: “Forças Armadas sem hierarquia são uma ameaça ao Estado Democrático. A ideia de inimigos internos deve ser banida”. Já Cármen Lúcia destacou: “quebrar a hierarquia é quebrar a coluna vertebral do Estado”. Moraes, por sua vez, comparou a suposta trama a 1964, mas alegou que os golpistas de 2022 seriam “mais radicais”, citando a cogitação de matar ministros, algo que, segundo ele, nem o AI-5 contemplou. Os depoimentos, porém, mostram apenas discussões hipotéticas, sem evidências de planejamento ou execução.

A PGR insiste na gravidade das acusações, mas as contradições de Baptista, a negativa de Freire Gomes sobre a “voz de prisão” e os dados que isentam Martins mostram que a denúncia se sustenta em fofocas e interpretações forçadas de conversas.

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Last Update: 22/05/2025