Nas últimas semanas, por todas as informações divulgadas em texto e vídeo, o mundo tem assistido ‒ horrorizado mas não exatamente surpreso ‒ o que acontece quando golpistas permanecem impunes: eles voltam ainda mais cruéis do que antes. Fazem estragos como os que Donald Trump e sua turma de bilionazis vêm causando aos EUA, com reflexos importantes e ainda imprevisíveis em todo o planeta. Mas o mundo também tem olhado com muita atenção o modo como a sociedade e a Justiça brasileiras atuais escolheram lidar com quem atenta contra a nossa democracia, ameaçada de golpe em nossa história recente. E é bom mesmo estarmos alertas, pois as saudações nazistas que se avolumam “como quem não quer nada” nos EUA são um poderoso apito de cachorro para a extrema-direita global. O neofascismo avança em todo canto e é preciso freá-lo o quanto antes.

Por isso, a última terça-feira foi exemplar e inédita. Pela primeira vez na História do Brasil, uma tentativa de golpe de Estado foi alvo formal de denúncia da Procuradoria-Geral da República. O ineditismo levará militares de altíssima patente, filhotes do regime de exceção, da ideologia da tortura e da Lei de Segurança Nacional, ao banco dos réus, por conspirar contra um governo democraticamente eleito. Apontado como o principal líder do complô, o ex-presidente Jair Bolsonaro é acusado, juntamente com os outros, de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Não se pode mesmo passar pano.

O procurador-geral Paulo Gonet responsabiliza diretamente o ex-presidente pelos ataques aos Três Poderes no 8 de Janeiro de 2023, e ainda pelos planos de assassinato do presidente Lula, de seu vice, Geraldo Alckmin, e do então presidente do TSE, Alexandre de Moraes. As 272 páginas da peça da PGR explicitam a longa cronologia do golpismo bolsonarista, que remonta a 2021, quando as fake news sobre as urnas eletrônicas e os ataques ao Judiciário se tornaram sistemáticas. Os fatos ainda são o melhor antídoto contra a desinformação fascista.

No dia seguinte à denúncia, mais fatos vieram à tona, com a suspensão do sigilo da delação do tenente-coronel Mauro Cid, braço direito de Bolsonaro e testemunha ocular do golpe, e complicaram ainda mais a vida do ex-presidente. O depoimento de Cid, agora público, é validado por uma vasta quantidade de provas coletadas minuciosamente pela Polícia Federal ao longo de mais de dois anos. A denúncia da PGR se baseia no extenso relatório da PF e também confirma boa parte da investigação e dos indiciamentos sugeridos pela CPMI dos Atos Golpistas ainda em 2023. Se a denúncia for aceita pela Primeira Turma do STF, os 34 denunciados se tornarão réus. A expectativa é que o julgamento comece no segundo semestre deste ano.

Nada parecido com isso aconteceu nos EUA, que vivenciou um roteiro golpista semelhante ao brasileiro: muitas fake news sobre as eleições e o estímulo contínuo do presidente a uma ruptura institucional. Em 6 de janeiro de 2021, uma massa de apoiadores insuflados pelas mentiras de Donald Trump e seus aliados das big techs invadiu o Capitólio, em Washington, e deixou um saldo de cinco mortes. O ex-presidente não invalidou o resultado eleitoral, mas tampouco as instituições estadunidenses souberam lidar e punir esse violento golpismo. Agora pagam caro por isso.

Bolsonaro foi considerado inelegível ainda em 2023. Já Trump foi reeleito e imediatamente rasgou todos os princípios democráticos e civilizatórios. Suas atitudes absolutistas são sustentadas por uma oligarquia neoliberal inconsequente e com poder de interferir nos destinos de diversos países. O bilionário Elon Musk, homem forte do novo governo, esteve no último congresso da CPAC, a internacional fascista que reuniu extremistas de 51 países, e foi presenteado com uma motosserra pelo presidente argentino Javier Milei, que vem cumprindo à risca a cartilha do capitalismo tardio: mais de 50% do país que governa está formalmente na miséria, enquanto ele aplica golpes com criptomoedas nos próprios compatriotas.

O bilionário e assessor de Trump, Elon Musk, e o presidente argentino, Javier Milei. Foto: Saul Loeb/AFP

A ameaça fascista é real mesmo entre nós, que fomos capazes de vencê-la em 2022, mas não de desarmar sua máquina de desinformação e ódio. Precisamos nos preparar imediatamente para uma nova batalha contra o extremismo, que não pode retornar ao governo, pelo bem do nosso povo, do país e do nosso continente. Para isso, punir golpistas como Bolsonaro, os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, Mauro Cid, entre dezenas de outros traidores da Pátria, será um grande passo. Aprendemos com o nosso passado e sabemos bem que a impunidade é mãe do extremismo: os anistiados de Aragarças e Jacareacanga foram os mesmos que implantaram o terror na ditadura militar de 1964 ‒ e esta foi a origem dos golpistas de 2021-2023. Não iremos cair mais no mesmo erro. Minhas homenagens aos que tombaram na luta por democracia e liberdade, aos familiares dos mais de 400 vítimas e muitos ainda desaparecidos. Por memória, Verdade e justiça! Mais do que nunca, sem anistia!

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Last Update: 25/02/2025