Os testemunhos de duas pesquisadoras palestinas que sobreviveram à ocupação israelense fizeram do debate “Gaza Urgente: genocídio, jornalismo e direitos humanos”, realizado nesta terça-feira (26) no auditório Vladimir Herzog, em São Paulo, uma contundente conclamação à mobilização em defesa da vida e pela imediata ruptura das relações políticas e econômicas com Israel.

No salão nobre do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo vieram à tona “os horrores dos assassinatos em massa – e até minúcias como estupros e empalamentos, torturas e as humilhações as mais diversas -, relatos sangrentos de uma ocupação iniciada em 1948, que se perpetua com base na desinformação e no controle dos meios de comunicação”, como afirmou Rula Shadeed, diretora do Instituto Palestinos para Diplomacia Pública, instituição da sociedade civil com sede em Ramallah, na Cisjordânia.

Rula Shadeed, diretora do Instituto Palestinos para Diplomacia Pública, e Shahd Safi, jornalista freelancer que cobriu as atrocidades em Gaza por 150 dias

“Eu tinha sete ou oito anos quando vi pela primeira vez um avião, mas já havia visto a carne do nosso povo muitas vezes. Desde cedo descobri que é muito fácil morrer criança na Palestina. É este círculo vicioso de violência e morte criado pelos sionistas que precisamos pôr fim”, declarou Shahd Safi, que trabalhou como jornalista cobrindo as atrocidades em Gaza por 150 dias – antes de escapar para o Cairo para salvar sua vida, junto com sua mãe e três irmãos.

Ela lembrou que se anteriormente “estávamos tentando achar uma solução” para o nosso pequeno território de 360 quilômetros quadrados, superlotado por mais de 2,2 milhões de habitantes, grande parte refugiados, 80% vivendo abaixo da linha da pobreza, “os constantes ataques de Israel fizeram disso uma dor sistemática”. “A ideia crescente era de integração, em um Estado conjunto com direitos iguais, para todos, como éramos antes de 1948. Agora, temos a convicção de que assim como a luta pôs fim ao apartheid na África do Sul, esse horror também acabará na Palestina”, acrescentou.

Vestindo o kufiya, lenço que virou símbolo da resistência palestina, ambas jovens alertaram para a necessidade de “romper com a política de cerco imposto por Israel, por terra, céu e mar”, ao qual o regime israelense busca “desde sempre” somar o calaboca informativo, que vai da censura aos meios de comunicação ao homicídio de seus profissionais.

“Israel assassina jornalistas para calar a verdade, pois esta é uma arma muito forte que os profissionais têm nas mãos para denunciar ao mundo o genocídio. Por isso em Gaza, o jornalista é a profissão mais nobre ao lado dos médicos e do pessoal da saúde”, destacou Rula Shadeed. “São pessoas que passam dias sem dormir, consumindo a pouca energia que resta em sua casa para carregar o equipamento, para contar ao mundo a realidade dos fatos”, frisou Rula, recordando que “é uma violência sem precedentes que salta diante dos nossos olhos para manter o apartheid sustentado pela sua máquina de propaganda que invade os cinemas e as redes sociais”.

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) assegura que os números são estarrecedores: pelo menos 150 jornalistas foram assassinados por Israel em Gaza, no Líbano e na Síria desde 7 de outubro de 2023. A TV Al Jazeera, do Qatar, foi completamente banida pelo governo de Benjamin Netanyahu, e vários de seus profissionais tiveram a vida ceifada pelas balas e bombas do Exército israelense que os transformaram em alvo privilegiado.

Conforme Rula Shadeed, da mesma forma que o Brasil conhece a violência policial quando as balas das suas armas privilegiam os jovens negros, “as autoridades colonialistas seguem a doutrina de primeiro atirar para depois perguntar, bem como de atirar para matar”. “E este treinamento é dado à Polícia brasileira por técnicos de Israel, que também vende a vocês armamentos e sua política racista”, condenou.

Diante de tamanho descalabro, defendeu Rula Shadeed, “é preciso estampar que está ocorrendo um conflito totalmente assimétrico, que é necessário parar de desumanizar, que há pessoas por trás das dezenas de milhares de vidas, e que o que a grande mídia faz é completamente enganoso”. “Vocês sabem o que é um filho ir comprar uma garrafa de suco e não voltar nunca mais? Por isso, quando falarem da resistência – como o do Hamas e do Hezbollah – e da violência contra Israel, não a coloquem fora de contexto, pois são movimentos que afirmam a trajetória de um povo, de uma terra e de uma luta”, enfatizou.

Segundo Nasser Pad, do Centro Islâmico do Brasil, “Israel é a ponta de lança do imperialismo no Oriente Médio e precisamos estar alertas, unidos e mobilizados para deter o massacre que vem praticando na Palestina”. “São 76 anos de genocídio em que temos demonstrado força para resistir, mas agora chegou a hora de que nossas nações sejam livres”, garantiu.

“Ação explícita de extermínio contra os palestinos”

Na avaliação do secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, José Eduardo de Souza, “a exigência do rompimento das relações com Israel se dá pela ação explícita de extermínio que vem sendo executada contra os palestinos”. Além dos sionistas “multiplicarem seus crimes de guerra”, advertiu, agora estão expandindo sua violência racista ao Líbano, à Síria, ao Irã e ao Iêmen.

Representando o Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo, Nathaniel Braia recordou a pertinência da realização de um ato no auditório Vladimir Herzog, um judeu assassinado pela ditadura militar no Brasil, que sempre foi solidário e jamais compactuou com regimes de opressão e barbárie. Braia avaliou que “com o pedido de prisão para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o movimento pela libertação da Palestina avança e entra em uma nova fase, embalado pela resistência do povo russo e pelo caminho que a China aponta para a construção de um mundo multipolar, de igualdade e justiça”. “Este movimento vai crescer até colocarmos Netanyahu, como criminoso de guerra, na cadeia!”, sustentou o autor do livro “Genocídio isola Israel – Desafio é criar Estado da Palestina”.

A jornalista e psicóloga Patricia Vaidan grifou como “uma questão humanitária a solidariedade ao povo palestino, pois se de um lado temos Israel bombardeando, do outro há um povo que defende seu território, sua autonomia e sua liberdade”.

Para Hussein Khaliloo, diretor do Centro Islâmico de Diálogo Inter-Religioso e Inter-Cultural, valorizar a divulgação de atos de solidariedade é chave neste momento, a fim de aumentar a pressão pelo cessar-fogo, “uma vez que mais de 90% da mídia é controlada pelos sionistas”. “Não é admissível ver alguém se defendendo de agressores com pedras ser chamado de terrorista”, apontou.

Agradecendo a presença de todos, a secretária de Memória e História da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Samia Tayeh, reiterou a relevância de multiplicarmos ações “até garantirmos uma Palestina livre”.

O ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, José Augusto Camargo, presenteou os membros da mesa com exemplares da Revista Pirralha, que tem como tema o Silêncio sobre Gaza e o grito dos chargistas, esclarecendo que é preciso “salvar o mundo da barbárie”.

O líder histórico palestino no Brasil, Abdel Latif, saudou as quatro mulheres que estavam na mesa dos trabalhos durante o ato, recordando as palavras do destacado poeta palestino Mahmud Darwish, afirmando que “as mulheres palestinas são, com sua chama infinita, as guardiãs da causa”.

A advogada Jamile Latif conclamou os jornalistas a “simplesmente noticiarem os fatos”: “Os palestinos precisam que os jornalistas noticiem os fatos diários deste genocídio que precisa parar. O que esperamos de vocês é apenas isso, não precisamos de superlativos, apenas a divulgação dos fatos, a verdade”.

Ao final do evento foi lido o manifesto de solidariedade ao povo palestino e em apoio ao rompimento de relações com Israel, que desde já tem o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e do Sindicato dos Escritores de São Paulo.

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Last Update: 28/11/2024