Democracia também é inclusão social

por Carlos Zarattini

A Folha S. Paulo publicou, em 25 de janeiro, o artigo de Vinicius Torres Freire intitulado “Brasil, 40 anos de democracia, 40 anos de deserto econômico”. Nele, o jornalista “comemora” os 40 anos do fim da ditadura militar no Brasil (data a ser celebrada em março) e o início de um período democrático. No texto, ele aponta as mazelas do crescimento econômico e compara o país a outras nações no mesmo período, afirmando que “temos que reconhecer que algo deu muito errado”, “40 anos de derrota”.

É verdade que o Brasil não experimentou, nesse período, uma explosão de crescimento como o registrado durante a ditadura, conhecido como “milagre econômico” (1964-1985). Contudo, o crescimento identificado não considera o preço pago pelo país para alcançar esse índice como aumento da desigualdade social, endividamento do setor público e dívida externa brasileira que cresceu 30 vezes. Também é fato que não alcançamos taxas de crescimento comparáveis às da China ou da Coreia do Sul. Contudo, Freire negligencia um aspecto crucial: os avanços significativos em políticas sociais conquistados nas últimas quatro décadas.

Antes de 1988, por exemplo, o direito à saúde pública era restrito aos trabalhadores formais e seus dependentes, ou seja, apenas aqueles que contribuíam para a previdência social. A população rural, os trabalhadores informais, os desempregados e as pessoas em situação de pobreza não tinham acesso garantido aos serviços de saúde pública. Esses grupos dependiam de instituições filantrópicas, como as Santas Casas de Misericórdia, ou de serviços precários oferecidos por governos estaduais e municipais. Foi na Assembleia Constituinte que se criou o Sistema Único de Saúde (SUS), o mais amplo sistema de saúde pública do mundo, garantindo acesso universal e gratuito. Hoje, o SUS atende a totalidade da população brasileira.

Alguns avanços não podem ser ignorados como a queda da mortalidade infantil (63 óbitos por mil nascidos vivos para 12 óbitos). Na educação, apenas 80% das crianças estavam matriculadas no ensino, em 1985, no ensino fundamental, hoje temos 94% delas estudando. Um avanço devido a políticas públicas como a criação do Fundef, hoje Fundeb. Naquela época do “Brasil potência”, o ensino universitário era restrito a 1,5 milhão de estudantes, em sua maioria proveniente das elites. Atualmente, atingimos oito milhões de universitários, impulsionado por programas como o Prouni.  O analfabetismo, que girava em torno de 20% na década de 1980, foi reduzido para 6% da população adulta.

É verdade que ainda temos milhões de pessoas morando em favelas ou habitações precárias, fruto da falta de planejamento que vem desde o período da ditadura. No entanto, o direito à moradia, inscrito na Constituição, permitiu que os estados e os municípios promovessem programas habitacionais e o Governo Federal construísse mais de seis milhões de moradias por meio do Minha Casa, minha Vida. 

Sempre se exaltou o crescimento da nossa infraestrutura no período militar, mas a geração de energia elétrica era de aproximadamente 45 GW em 1985, baseada principalmente nas hidroelétricas. Hoje, atingimos 203 GW, com uma matriz energética muito mais diversificada, incluindo fontes eólica e solar. Programas como o Luz para Todos expandiram o número de domicílios atendidos de 75% em 1985 para 99% atualmente. Já a produção de petróleo, que garante nossa segurança energética, saltou de 500 mil barris por dia para 3,4 milhões em 2023. Tornamo-nos exportadores de petróleo após a descoberta do pré-sal, um marco histórico para o país.

Muito ainda precisa ser melhorado no SUS, na educação e em diversas outras áreas. Não há dúvida sobre isso. Mas é inegável que foi graças à democracia que muitas políticas sociais foram criadas e ampliadas, reduzindo a absurda desigualdade social do nosso país. Jovens pobres, negros e indígenas podem chegaram às universidades e aos empregos públicos. Uma grande transformação social que vai acontecendo ano a ano. Isso só é possível na democracia. Não alcançamos os indicadores econômicos sonhados por Freire, mas é hora de deixar de lado o “complexo de vira-lata” e reconhecer que há muito a comemorar nesses 40 anos de democracia Viva a democracia!

Carlos Zarattini é deputado federal e economista formado pela USP.

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Last Update: 03/02/2025