‘Democracia’ será salva por uma ditadura?

Uma matéria do UOL, intitulada Gilmar nega pedido da AGU e mantém restrição a impeachment de ministros, publicada nesta quinta-feira (4), traz uma entrevista com Lênio Streck, jurista que muitos tratam como sendo de esquerda, mas que demonstra estar alinhado completamente com a política da burguesia de dar poderes totais para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Antes, para que se entenda o que está acontecendo, Gilmar Mendes, em uma decisão monocrática, sobre as possibilidades de pedido de impeachment dos ministros do Supremo, proferiu liminarmente que a determinação de que a legitimidade de protocolar denúncia no Senado contra ministros do STF passa a ser exclusiva da PGR (Procuradoria Geral da República).

Anteriormente, qualquer cidadão poderia denunciar. Agora, além da restrição, Gilmar Mendes mudou o quórum para aprovação de um processo no Senado. Da anterior maioria simples, se exige agora a aprovação de pelo 2/3 (dois terços) dos senadores.

Gilmar Mendes, em quem nenhum brasileiro votou para estar no cargo, decidiu sozinho que os brasileiros não têm mais direito de contestar a conduta dos juízes da corte mais alta do País. Isso é o equivalente a um golpe de Estado, pois um dos poderes decide que não pode ser tocado; e, em contrapartida, interferir nos outros poderes da República.

Ocorre que esse poder que o STF todo ostenta é concedido diretamente pela burguesia. No entanto, tudo isso está acontecendo com a anuência de setores da esquerda que não assinam embaixo dessa barbaridade.

Defesa da blindagem

Perguntado se concordava com a decisão do ministro, Lênio Streck respondeu que “tem uma grande virtude nessa decisão. Ele (Gilmar Mendes) traz de volta a juridicidade para pedidos de impeachment ao menos com o Supremo Tribunal. Veja, algum dos 42 pedidos contra o ‘Xandão’, ou algum dos 100 pedidos em geral contra todos os ministros do Supremo, tem algum grau de juridicidade, ou era tudo questão política etc.? Tudo é político. (…) A questão com os ministros do Supremo é toda uma engenharia constitucional que faz com que o Supremo não possa ficar refém do Senado. Imaginem o ‘todo poderoso’ presidente do Senado, ele segura os pedidos de impeachment, fica poderoso porque, se ele colocar, bastam 11, 12, ministros para afastar um ministro do Supremo. Isso chega a ser bizarro”.

De início, Streck tenta desqualificar os pedidos de impeachment como se, baseado na amostragem que ele apresenta, todos os pedidos seriam forçosamente politicagens, não tivessem “juridicidade”, o que é absurdo.

O senhor Alexandre de Moraes tem agido de maneira completamente arbitrária. Para ficarmos em um exemplo, o juiz, contrariando completamente a Constituição, acaba de mandar para a prisão Rodrigo Bacellar, presidente da Alerj. Ninguém pode fazer nada contra esse ministro?

Outro absurdo de Streck, é dizer que controles democráticos a um determinado poder o colocarão como refém de outro. Acontece que é justamente o contrário que está acontecendo. O Supremo, ao se tornar inalcançável, é que transforma os outros poderes é que ficam reféns.

Rodrigo Bacellar não poderia ter sido preso sem flagrante de crime inafiançável, muito menos poderia ser mantido sob prisão provisória, a Constituição garante a imunidade parlamentar, mesmo assim ‘Xandão’ o mandou prender. Quem está refém de quem?

Streck acha bizarro que 12 ministros destituam 1, mas não acha o mesmo de um ministro que tem cassado vários parlamentares. Ou que um ministro, tome uma decisão, sozinho anulando a lei. Gilmar Mendes não pode decidir sobre a competência para a apresentação de pedidos, sobre o quórum para a abertura de processos e o afastamento temporário de ministros denunciados.

Lei ‘velha’

Lênio Streck usa de subterfúgios, diz que a lei é velha. O que é em si um conceito absurdo. Uma lei tem que ser revista, ou não, pela sua validade, pelas demandas da própria sociedade. É importante, por exemplo, impedir que mulheres sejam presas pela prática do aborto, isso tem que ser mudado.

A questão da idade de uma lei a validar é surreal, pois nos levaria a supor que uma lei nova seja boa, compatível com os tempos atuais. Na prática, porém, não é assim. Estamos vendo surgir leis cada vez mais ditatoriais, que punem a opinião, que censuram e afrontam o direito garantido na Constituição à liberdade de expressão. O argumento do senhor Streck é falacioso e visa apenas a confundir as pessoas.

O jurista ainda ameaça, diz que “o Supremo poderia ter feito muito mais, poderia simplesmente dizer ‘toda essa lei é inconstitucional, não é compatível’, e ficava sem lei”. Ou seja, admite que é o Supremo, com suas “interpretações” das leis, é que pode chantagear e tornar o Congresso refém.

Na entrevista ao UOL, Lênio Streck fala outros absurdos, por exemplo, que “quando o Parlamento não legisla, acaba criando para si mesmo um problema; o Supremo está sempre atento”. Quer dizer que se o Legislativo não atua, o Supremo pode tomar a frente? Isso aí é usurpação de prerrogativas.

Para esconder essa completa ilegalidade, Streck utiliza um artifício, diz o seguinte “Veja que o Supremo salvou a Saúde Pública quando fez algo que o Executivo não fez no tempo da vacina. A gente tem que considerar tudo isso. Em outras palavras, justifica uma arbitrariedade porque seria, supostamente, “para o bem”.

A coisa fica ainda pior, pois o jurista diz que “o Supremo salva a democracia… as pessoas podem discutir sobre o golpe de Estado, mas o Supremo foi fundamental…”. Chega a ser desconcertante. O Supremo salva a democracia sendo antidemocrático.

Sim, o Supremo foi fundamental, mas para o golpe de Estado, não para salvar qualquer democracia.

Esses foram pequenos exemplos que ilustram a degeneração de setores da ‘esquerda’, que ficam fazendo malabarismos retóricos para apoiar uma sucursal do imperialismo dentro do Estado brasileiro. Para apoiar a instauração de uma ditadura de toga, que só serve para esmagar a classe trabalhadora.

É por isso que este Diário vem repetindo que não é à toa que os trabalhadores estão sendo iludidos pelo discurso demagógico da extrema direita, pois sentem que aqueles que se dizem de esquerda defendem seus piores inimigos.

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