A luta “em defesa da democracia”, encabeçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos tem posto diante de situações inusitadas. Às vésperas de seu julgamento, Jair Bolsonaro foi obrigado a usar uma tornozeleira eletrônica, alegadamente, para evitar que fugisse às garras da Justiça. Ao mesmo tempo, foi proibido de se aproximar de embaixadas que lhe pudessem oferecer abrigo. A mobilidade reduzida e controlada, no entanto, não pareceu suficiente ao juiz, o poderoso Alexandre de Moraes, que, na mesma canetada, cassou do ex-presidente o direito de usar as redes sociais e a possibilidade de conversar com o filho Eduardo, hoje nos Estados Unidos. Mais ainda, por precaução ou excesso de zelo, cassou o direito da imprensa e de todos os cidadãos que desejassem publicar qualquer fala, entrevista ou depoimento de Bolsonaro, sob a ameaça de executar a prisão do réu imediatamente – tudo isso em nome da “democracia”, bem entendido.

Os juristas da esquerda pequeno-burguesa, em coro, aplaudem as decisões de Moraes sem pestanejar. Ninguém discute o fato elementar de tais penas não estarem previstas nos dispositivos legais. Moraes é, afinal, o herói em sua cruzada contra as “milícias digitais”, que espalham o ódio e a desinformação. Para a esquerda cor-de-rosa, cada vez mais desbotada, cujos objetivos não vão além das próximas eleições, o apoio a tais idiossincrasias jurídicas parece um negócio de ocasião, mesmo que viva um amor não correspondido, que vai acabar em traição.

A imprensa burguesa noticiou alegremente que o incensado juiz Alexandre de Moraes é um dos finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Direito. Ele concorre à láurea com o livro Democracia e Redes Sociais: O Desafio de Combater o Populismo Digital Extremista, que não tivemos a oportunidade de ler, mas cujo conteúdo se pode inferir do “conjunto da obra” do ministro. Paladino da “defesa da democracia”, seu inimigo é o “populismo digital extremista”, e seus métodos, bem, esses não são propriamente democráticos, mas há uma espécie de consenso da burguesia em torno da necessidade de debelar o tal populismo – ou “bolsonarismo” – de qualquer maneira.

Na sinopse do livro, disponível no site Amazon, lemos o seguinte: “a necessidade imprescindível do sigilo do voto como garantia de liberdade do eleitor na escolha de seus representantes passou a exigir a previsão de mecanismos legais de proteção do eleitorado contra quaisquer tentativas de captura de sua vontade, seja por meio de induzimento nas propagandas eleitorais, seja por meio de pressões pessoais ou profissionais ou promessas ilícitas de vantagens”. E mais: “Em defesa da Democracia, portanto, há a necessidade de nova análise e renovado equacionamento das regras eleitorais em face do reconhecimento das redes sociais e dos serviços de mensagens privadas como os mais novos e eficazes instrumentos de comunicação de massa e suas capacidades de influenciarem a vontade do eleitorado”.

Em suma, Moraes quer “proteger o povo” da influência de políticos que se valem das redes sociais. O perigo representado pelas redes sociais é, na verdade, o que elas têm de verdadeiramente revolucionário: sua capacidade de descentralizar a circulação da informação. Cada um pode dizer o que quer e quando quer, longe do controle sempre exercido pela imprensa burguesa. É isso o que a burguesia teme – e Moraes é uma espécie de caricatura dessa classe social, que se vê no direito de tutelar o povo, essa massa ignorante e sem vontade própria. O que não é defendido por essa imprensa de classe é considerado “desinformação”.

Na verdade, a burguesia, encarnada na figura de Moraes, parece temer – e muito – que o povo se levante e vire a mesa. Imaginemos do que seria capaz Bolsonaro se, porventura, fosse um líder revolucionário. Essa ideia deve povoar os pesadelos do ministro.

Não por acaso, pesou a mão ao determinar as penas da turma do 8 de janeiro: 14 anos por rabiscar estátua da Justiça com batom, 12 anos por fazer vídeo dizendo que defecou no banheiro do STF e assim por diante. Mesmo a lei prevendo penas máximas de três anos para depredação de patrimônio tombado, essas pessoas foram condenadas severamente sob alegação de um suposto conluio para abolir o estado democrático de direito.

O que se pune – exemplarmente – é o ímpeto ou a ousadia dessas pessoas, a sua disposição de se deslocar de diversas regiões do país para fazer “alguma coisa”, ainda que não soubessem exatamente o quê. É preciso criminalizar essa disposição de destruir o sistema, que, a bem da verdade, é resultado de insatisfação, não de uma suposta influência pecaminosa de “milícias digitais”.

Infelizmente, não é a esquerda que lidera o movimento antissistema. Tomada pelo comodismo identitário, cuja “revolução” se resume a reivindicar “espaços de poder” em instituições conservadoras, quando não a usar a própria “identidade” para fazer publicidade de grandes marcas do mundo da moda, a esquerda não parece capaz de despertar o ímpeto de luta, tampouco de capitanear a insatisfação do povo em direção a uma mudança real.

É claro que as coisas podem mudar – e isso explica o autoritarismo do ministro, que inventa leis e apavora o povo com imprevisíveis e draconianas penas para supostos delitos. As medidas autoritárias do STF, na prática, são medidas de contenção da revolta popular, tenha ela a cor que tiver. O ministro sabe que as redes sociais são um instrumento revolucionário de circulação da informação.

A esquerda pequeno-burguesa, que vê o povo, no máximo, como objeto de estudo em suas teses acadêmicas, oferece a justificativa teórica pseudointelectualizada para os desmandos do STF. Tudo isso, no entanto, parece passar muito longe do que o senso comum imaginaria ser a “democracia”, ou seja, o governo do povo.

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Last Update: 24/07/2025