Antônio Delfim Neto – o bolo que cresceu, cresceu (?) e solou.

Rosa Freire dAguiar

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Depois de tanto ler os louvores ao ex-ministro Antônio Delfim Neto, me pus a pensar nos meus anos de correspondente em Paris, quando Sua Excelência lá ia bastante, primeiro como ministro da ditadura, e depois como embaixador (de 75 a 78), quando lá morou.

Que elogiem sua “simpatia”, seu “brilho”, sua “abertura de espírito” com Lula, não tenho nada a dizer, mas não custa lembrar que nada foi mais nefasto do que o “milagre” econômico por Delfim idealizado e comandado nos anos mais sinistros da ditadura.

Em Paris, em especial nos quase três anos em que foi embaixador do Brasil, correram tempos estranhos; tempos em que a embaixada por ele comandava era conhecida como “a embaixada dos 10 por cento”; tempos em que banqueiros franceses faziam consórcios para financiar Tucuruí e projetos congêneres do “Brasil grande” e funcionários da embaixada exigiam comissões exorbitantes, os tais dez por cento; tempos em que um primo de Giscard d’Estaing convocou a nós, jornalistas brasileiros, para dizer que estavam habituados a pagar comissões, mas não tão altas como as exigidas pela embaixada. Jacques de Broissia, o banqueiro primo do Giscard, era justamente presidente de um desses consórcios. Foi quem se indignou.

O esquema de comissões chegou a tal ponto que Geisel, que despachara Delfim para um posto dourado a 10 mil km de Brasília, concordou que o adido militar da embaixada, coronel Raymundo Saraiva, tentasse descobrir o que havia por trás dos insistentes rumores.

O nome de Delfim teria sido poupado no Relatório Saraiva, que porém explicava o sistema de cobrança de propina de fornecedores estrangeiros para a compra de equipamentos de hidrelétricas. O relatório foi providencialmente engavetado e o coronel morreu. Anos depois, quem o leu confirmou os boatos que circulavam. É de esperar que agora, com o falecimento do ministro, o Relatório Saraiva venha a público.

Na época, as relações entre o embaixador e Giscard d’Estaing, que chegaram a ser cordiais, esfriaram de vez. Giscard já era gato escaldado em “affaires” de corrupção envolvendo “amigos”, como fora o caso com os diamantes que recebeu de Bokassa, presidente da República Centro-Africana.

Aqui me atenho ao que vivi e testemunhei. Mas não custa lembrar aos democratas de hoje que Delfim pôs sua assinatura no AI-5 de 1968, o ato que, justamente, liquidou com qualquer pretensão democrática no Brasil.

Rosa Freire d’Aguiar é jornalista e tradutora de francês, espanhol e italiano. Foi correspondente das revistas Manchete e IstoÉ em Paris.

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Última Atualização: 16/08/2024