A aproximação dos 80 anos do Dia da Vitória — marco da capitulação alemã na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) — reacendeu um debate fundamental para a luta dos povos. De um lado, o imperialismo apresenta a derrota da Alemanha Nazista como a vitória da “democracia” — isto é, do bloco liderado pelos Estados Unidos. De outro, a esquerda revolucionária explica o fato como o resultado de uma revolução das massas soviéticas, apoiadas por uma tendência revolucionária mundial.
No meio deste debate, o jornalista Breno Altman, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), apresenta uma posição intermediária, segundo a qual a derrota do nazismo teria sido um feito do Estado soviético. Esta posição é expressa no artigo Revisionismo ocidental exalta Dia D e apaga papel decisivo da URSS, publicado pela Folha de S.Paulo.
O texto de Altman inicia afirmando que há um “choque de narrativas” sobre “a luta contra o nazifascismo” que “se estende até os nossos dias”. Altman atribui isso ao período batizado de “Guerra Fria”, no qual “o mundo se viu dividido entre o campo capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, comandado pela União Soviética”.
Não se trata de uma concepção precisa. Visto deste ponto de vista, o “choque de narrativas” aparece apenas como um problema de caráter puramente ideológico, e não o resultado de um problema político imediato.
O final da Segunda Guerra Mundial inaugurou o período mais revolucionário de toda a história da classe operária. Revoluções na Albânia, na Checoslováquia e na China expropriaram a burguesia de seus países. O Reino Unido se viu obrigado a conceder independência à Índia antes que o mesmo acontecesse no segundo país mais populoso do planeta. A situação na África se tornou insustentável e as colônias se libertaram, ao menos formalmente. Esta onda revolucionária não aconteceu por causa da União Soviética — na verdade, em várias ocasiões, esta se colocou frontalmente contra os movimentos revolucionários.
A Guerra Fria foi sobretudo uma resposta do imperialismo a essa onda revolucionária. A União Soviética só era vista como um problema na medida em que, por ser um Estado operário, sofria pressão da mobilização da classe operária mundial. No entanto, na medida em que as condições permitiam, a União Soviética era vista como uma aliada na repressão ao movimento revolucionário dos trabalhadores. Prova disso são a aliança da União Soviética e do imperialismo britânico e do imperialismo norte-americano na criação do Estado de “Israel”. Prova disso é a aliança da União Soviética e do imperialismo britânico na Guerra Civil da Grécia (1946-1949), que resultou no esmagamento da revolução naquele país.
A propaganda em torno da vitória da “democracia” é parte desta contraofensiva do imperialismo contra os povos. Apresentar a derrota da Alemanha Nazista como a vitória dos Estados Unidos, da França e da Alemanha visava encobrir os crimes que estes países cometeriam nas décadas seguintes.
Ocultar os reais motivos da propaganda imperialista consiste em ocultar o papel contrarrevolucionário de José Stálin, o comandante da União Soviética, naquele período. Afinal, uma vez que se coloca em primeiro plano a luta libertadora dos povos, e não o Estado Soviético em si, é impossível não discutir a contribuição perniciosa do stalinismo para esta luta.
Após uma longa introdução, na qual Altman cita algumas das manobras realizadas pelo imperialismo em sua propaganda, o militante petista afirma que:
“Ainda que essa campanha tenha colhido frutos na opinião pública internacional, mesmo na contramão da realidade, era insuficiente para transformar Josef Stálin e seus companheiros de heróis antinazistas em inimigos da democracia. Não bastava a crítica aos abusos autoritários, verdadeiros ou falsos, da experiência socialista: era necessário aparentá-lo ao nazismo, para que a bandeira democrática fosse, de vez, um monopólio do Ocidente. Nazismo e bolchevismo deveriam ser tratados como irmãos de berço, separados ao nascer. Aspectos pontuais vieram a ser descontextualizados, destacados e comparados para justificar a teoria dos dois demônios, embalada sob o conceito de totalitarismo e lapidada por liberais como Hannah Arendt. A contradição central da humanidade, pelas lentes da Guerra Fria, era exibida como uma queda de braço entre sistemas democráticos e regimes totalitários. Mas haveria sempre espaço, na primeira categoria, é claro, a ditaduras sanguinárias que tivessem sido impostas para conter o risco, real ou imaginário, de revoluções socialistas.”
As teorias burguesas sobre o “totalitarismo” são de fato uma picaretagem. Em primeiro lugar, porque ignoram a esmagadora maioria das ditaduras criadas pelo imperialismo. Não apenas o nazismo e o fascismo deveriam ser considerados “totalitários”, mas também a ditadura militar no Brasil (1964-1985) e na Argentina (1976-1983), o franquismo na Espanha (1939-1975), o salazarismo em Portugal (1932-1974), o sionismo em “Israel” (1948-) e praticamente todos os regimes do mundo. Os próprios “democráticos”, como os Estados Unidos, eram uma ditadura, uma vez que o macartismo estabeleceu uma perseguição política brutal.
Em segundo lugar, as teorias burguesas ignoram aquilo que é fundamental em qualquer análise política: a luta de classes. Mais importante que discutir a forma do regime, é discutir a quem ele serve. A ditadura hitlerista na Alemanha era um regime profundamente contrarrevolucionário, cujo objetivo era esmagar o movimento operário. Sindicatos foram fechados e milhares de comunistas foram presos, mortos ou enviados para os campos de concentração. O Estado russo entre 1917, quando ocorre a Revolução de Outubro, e 1924, quando morre seu grande artífice, Vladimir Lênin, era uma ditadura da classe operária contra os seus inimigos, que queriam reverter as vitórias da revolução.
O que é preciso ser dito, no entanto, é que, ainda que as teorias sobre os “regimes totalitários” sejam uma picaretagem, Stálin foi o maior marqueteiro contra o comunismo de todos os tempos. A ditadura stalinista, ainda que não representasse diretamente os interesses do imperialismo, também não representavam os interesses da classe operária. O stalinismo expressava os interesses de uma burocracia, que evolui de uma posição centrista para uma posição abertamente contrarrevolucionária e que irá se revelar, com o passar dos anos, como uma burocracia restauracionista.
Essa burocracia foi responsável por inúmeros crimes contra a classe operária mundial. Entre eles, pelo esmagamento da Revolução Chinesa de 1927. Os crimes de Stálin, portanto, foram um obstáculo para que a classe operária identificasse o seu maior inimigo.
Em nenhum momento, Breno Altman apresenta esta crítica à burocracia stalinista. Pelo contrário: ele aproveita a crítica a picaretas como Hannah Arendt, cujo servilismo ao grande capital é indubitável, para indultar Stálin de sua política perniciosa.
“O episódio mais relevante para provar o suposto parentesco do comunismo com o nazismo tem sido, nesse longo período, o Pacto Molotov-Ribbentrop, assinado em 23 de agosto de 1939 pelos chanceleres da URSS e da Alemanha. Seria a evidência definitiva do renascimento, em pleno século 20, dos irmãos Abel e Caim. O Parlamento Europeu decidiu, em 2009, consagrar a data desse acordo como dia da memória das vítimas de todos os regimes totalitários. A escolha foi justificada por considerar o tratado germano-soviético o estopim do conflito mundial, ao repartir a Polônia e os Estados bálticos, que supostamente teria aberto caminho para a ação alemã em 1º de setembro de 1939.”
O Pacto Molotov-Ribbentrop foi, conforme demonstraremos, um dos grandes crimes de Stálin. No entanto, não o debateremos imediatamente, uma vez que o próprio Altman, antes de concluir sua argumentação a favor do pacto, apresenta outras interpretações que merecem ser debatidas. Afinal, a grande defesa do pacto é a de que criticá-lo seria o mesmo que ignorar “o empenho soviético”. Leia-se, o empenho do grande José Stálin. Vejamos então que tanto empenho é esse.
“A partir de 1934, a Internacional Comunista adotou como linha política a construção de frentes populares contra o fascismo, enquanto expoentes liberais continuavam flertando com Mussolini e Hitler. A prova de fogo foi a Guerra Civil Espanhola, detonada por um fracassado golpe em 1936. Os franquistas receberam pleno apoio da Alemanha e da Itália, enquanto os republicanos eram acolhidos pela solidariedade soviética —e os governos ditos democráticos lavavam as mãos no sangue de Guernica.”
Segundo Altman, o problema seria, então, que Stálin “confiou” no imperialismo “liberal” e se deu mal. Fato é que não é possível ser tão ingênuo — especialmente alguém que acompanhou, ainda que com um papel secundário, a Revolução Russa. O que Stálin fez foi adotar uma política de aliança da classe operária com a burguesia imperialista. Uma aliança que sempre significou a submissão daquela a esta. Tal política foi condenada não apenas condenada por Lênin, mas por pessoas que foram contemporâneas a Karl Marx e Friedrich Engels:
“Se a consciência de classe não é forte o suficiente entre os trabalhadores, certamente o é entre os senhores da burguesia, nos quais o instinto de classe é muito mais ativo do que entre os trabalhadores. E isso é verdade mesmo em países com leis e instituições democráticas. Refiro-me à separação entre democratas burgueses e socialistas na Suíça, o Eldorado de Bernstein, onde, segundo a doutrina de Bernstein, o antagonismo de classes deveria ter desaparecido completamente; mas sabemos que ele existe lá tão fortemente quanto em países menos democráticos. Contudo, não se nega que a intensidade das lutas de classes seja atenuada pelas instituições democráticas. Na Bélgica, com suas instituições livres de um lado e seu governo dominado por padres do outro, alianças eleitorais entre a social-democracia e os partidos burgueses até agora encontraram solo fértil. De todo modo, em todas as alianças que formou lá, nosso partido teve a vantagem de estar à frente. Não pôde ser explorado nem enganado. E, no entanto, os camaradas belgas encontraram um prejuízo nos compromissos. O camarada Vandervelde, escrevendo no Wiener Arbeiterzeitung, saúda a introdução do sistema proporcional na Bélgica como o fim das alianças eleitorais. ‘No futuro’, escreve ele, ‘fatores secundários não mais intervirão na luta de classes; desaparecerão os aspectos confusos que tornam tão difícil para as massas compreenderem a verdade da luta de classes’. O amigo Vandervelde descobriu, portanto, que os compromissos — mesmo onde ocorrem sob as condições mais favoráveis para os trabalhadores — têm um efeito prejudicial, porque ‘tornam difícil para as massas compreenderem a verdade da luta de classes’; em outras palavras, as alianças, ao afastarem os trabalhadores do terreno da luta de classes, retiram-lhes a possibilidade de desenvolver plenamente sua força e fazê-la valer. Isso, eles só conseguem fazer sobre a plataforma da luta de classes. [grifos nossos] (Wilhelm Liebknecht. Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral. 1899)”
A revolução espanhola é uma grande demonstração prática do princípio enunciado por Liebknecht. Naquela época, estava em marcha um grande movimento revolucionário, que se encaminhava para a expropriação da burguesia. Um movimento, portanto, que exigiria uma luta dura e abnegada dos setores oprimidos contra a classe dominante. A burguesia, por seu turno, consciente da ameaça aos seus interesses, lançou mão do recurso que aprendera com a experiência do fascismo italiano e do nazismo alemão: para reprimir o ascenso operário, a violência fascista.
A burguesia espanhola já havia optado pelo fascismo. Considerar que uma aliança com a burguesia permitiria fazer o fascismo recuar era, portanto, impossível. Por isso, na época, o revolucionário Leon Trótski assinalou que a frente popular era uma aliança da esquerda com a “sombra da burguesia”, e não propriamente com a burguesia:
“Não representavam ninguém além de si mesmos. No entanto, graças a seus aliados — os socialistas, stalinistas e anarquistas —, esses fantasmas políticos desempenharam um papel decisivo na revolução. Como? Muito simples: encarnando os princípios da ‘revolução democrática’, ou seja, a inviolabilidade da propriedade privada. [Leon Trótski. O último aviso. 1937]”
Como nos ensinou Liebknecht, a frente popular serviu para afastar os trabalhadores “do terreno da luta de classes”.
Após mencionar a Revolução Espanhola, Altman complementa sua argumentação sobre o Pacto Molotov-Ribbentrop:
“Naquela mesma época, de 1933 a 1939, vários governantes preferiram estender a mão ao ditador nazista. Projetavam que sua sede expansionista, conforme anunciado em ‘Minha Luta’ (1925), estaria limitada ao país dos sovietes. (…) A Polônia de Józef Pilsudski puxou a fila, em 1934, assinando um pacto de não agressão com Berlim, seguida por outros governos. O ápice dessa estratégia ocorreria em setembro de 1938, quando Reino Unido e França aderiram ao Acordo de Munique, subscrito também por alemães e italianos, pelo qual parte da Checoslováquia —a região dos Sudetos— foi cedida a Hitler. (…) Como está registrado no livro ‘Stalin’s Wars’, do historiador inglês Geoffrey Roberts, o chefe comunista ainda tentaria, nos meses seguintes, dobrar Londres e Paris. Apresentou uma derradeira proposta de proteção à Polônia e à Romênia contra o regime nazista, dispondo-se a mover suas tropas até a fronteira alemã, pelo território polaco, desde que contasse com o engajamento franco-britânico em uma tripla aliança militar contra Hitler. Os líderes poloneses e romenos, ferrenhamente anticomunistas, recusaram-se a dar passagem aos soldados soviéticos. Chamberlain e Daladier cruzaram os braços, insistindo que as conversações continuassem exclusivamente no plano diplomático. Stálin sentiu cheiro de traição no ar. Aos seus olhos, França e Reino Unido estavam empurrando a Alemanha para cima da União Soviética. Virou o jogo e mudou de tática. O resultado seria a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop.”
Antes de qualquer coisa, é preciso explicar como Adolf Hitler chegou ao poder.
No início do século XX, após um longo desenvolvimento, impulsionado pela direção política e teórica de Marx e Engels, a classe operária alemã havia constituído o maior partido operário do planeta, o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). Antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), este partido tinha um milhão de membros, mais de 40 jornais diários, uma universidade operária, bibliotecas operárias, diversas organizações recreativas e culturais e controle sobre a esmagadora maioria dos sindicatos alemães, que detinham mais de 8 milhões de filiados.
A crise causada pela guinada à direita conduzida pela direção do SPD não impedirá que a revolução explodisse na Alemanha. Em 1918, ela veio e foi derrotada pela traição do SPD. Em 1923, abre-se uma crise revolucionária e a Terceira Internacional, sob a direção da União Soviética, cada vez mais controlada pela burocracia stalinista, sabota a revolução. A partir de então, a burguesia consegue organizar uma reação poderosa a ambas as revoluções: a ascensão do nazismo.
Durante os dez anos que se seguiram, até a chegada de Adolf Hitler ao poder, a política orientada pelo stalinismo foi a mais desastrosa possível. Em vez de buscar formar uma frente única com a ala esquerda do SPD, o stalinismo procurou apresentar a social-democracia e o nazismo como se fossem a mesma coisa, dividindo a classe operária alemã, em vez de unificá-la na luta contra o inimigo comum. Com isso, Hitler viu o caminho livre para chegar ao poder.
Não foi a “traição” da França e do Reino Unido que levaram ao Pacto Molotov-Ribbentrop. Foi a política ziguezagueante de Stálin, que, na medida em que procurava responder aos interesses da burocracia, e não da classe operária, a desarmou diante de seus inimigos.
O Pacto Molotov-Ribbentrop, neste sentido, consistiu em mais um passo do stalinismo para afastar os trabalhadores “do terreno da luta de classes”. O acordo vergonhoso com a Alemanha Nazista apenas forneceu garantias para que Hitler pudesse invadir a Polônia logo em seguida — afinal, com o pacto de não agressão, a União Soviética não poderia intervir, mesmo com a invasão de um país vizinho. Em troca, a União Soviética recebeu apenas algumas poucas vantagens comerciais com a Alemanha.
O mais importante, como ensinou Liebknecht, está, contudo, na consciência do proletariado. Que lições tirar deste caso? Trótski, em declaração à imprensa sobre a aliança soviético-alemã, disse:
“É necessário penetrar por um momento na psicologia de um trabalhador revolucionário alemão, que, arriscando sua vida, está conduzindo a luta ilegal contra o Nacional-Socialismo e, de repente, vê que o Crêmlin [sede do governo russo], que comanda grandes recursos, não só não combate Hitler, mas, ao contrário, conclui um acordo comercial vantajoso no cenário do roubo internacional. O trabalhador alemão não tem o direito de cuspir na cara de seus mestres de ontem?”
Não apenas a classe operária como um todo foi desarmada na luta contra o nazismo, como o pacto levou à própria burocracia soviética se manter confiante de que Hitler não seria uma ameaça. Há muito que se pode ser dito sobre isso. Stálin, por exemplo, assassinou praticamente todo o alto comando do Exército Vermelho durante os expurgos realizados nas décadas de 1930 e 1940. Ao mesmo tempo, ignorou incontáveis avisos de que a Alemanha preparava uma invasão — avisos que teriam vindo tanto do Reino Unido como de fontes do próprio serviço de inteligência soviético.
Um desses avisos é relatado pelo portal Opera Mundi, do qual Altman é editor:
“Em maio de 1941, [Richard] Sorge enviou um relatório secreto a Moscou, informando que Hitler estava planejando a invasão da União Soviética e que 170 divisões estavam preparadas para invadi-la em 20 de junho, numa operação denominada de “Barbarossa”. Stalin ignorou a advertência (Hoje na História: 1944 – O espião Richard Sorge é executado pelos japoneses. Opera Mundi).”
O militante petista ignora os erros de Stálin e apenas considera que o pacto teria servido para “ganhar tempo”:
“Ganhar tempo e se fortalecer ao máximo possível eram os objetivos soviéticos. A guerra era inevitável, mas foi adiada por quase dois anos. A URSS só entrou em combate quando atacada. Essa prorrogação terá sido decisiva? Só nos resta julgar pelo desfecho que conhecemos: a invasão alemã de 1941 deparou-se com a mais tenaz resistência que o mundo já viu e terminou com a chegada épica do Exército Vermelho na capital alemã.”
O fato é que as ilusões de Stálin em Hitler paralisaram o Exército Vermelho, o que levou a uma grande destruição logo nos primeiros dias de invasão. Em menos de dois anos de guerra, pelo menos 20 milhões de russos foram mortos nesta que foi uma das guerras mais mortais de toda a história. Boa parte da aviação soviética foi destruída ainda no chão. A Ucrânia foi integralmente ocupada.
Stálin não utilizou o tempo em questão para se preparar. A vitória russa veio não de um conjunto de medidas diplomáticas e militares da burocracia soviética, mas sim apesar dela. Foi a guerra de guerrilhas do povo soviético, na Ucrânia e na Rússia, que fizeram as forças alemães entrarem em colapso na famosa Batalha de Stalingrado.
Foi uma epopeia. Uma história realmente extraordinária de resistência, que muito se assemelha à luta dos palestinos nos dias de hoje. Os russos venceram apesar de Stálin, não graças a ele.
Os feitos da guerra de guerrilhas soviética inspiraram pessoas no mundo inteiro. Abaixo, reproduzimos um poema do brasileiro Carlos Drummond de Andrade, publicado no livro Rosa do Povo (1945):
“Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam.A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida.Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate,
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,
e vence.As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.”
Com o fim da União Soviética, chegou também ao fim a burocracia stalinista. Ela, ao contrário da burguesia imperialista e da classe operária, é um fenômeno que não existe mais. Contudo, a defesa de sua política criminosa, como expressa no artigo de Altman, é um problema para a luta política atual.
Apresentar Stálin como uma personagem central para a derrota da Alemanha Nazista é não apenas falsificar a histórica, mas também endossar a sua política — em especial, sua política durante o seu período mais sangrento e contrarrevolucionário, a partir da Revolução Espanhola. É a defesa das ilusões com o imperialismo, seja ele o imperialismo “democrático”, seja ele o fascismo.
Essa política, nos dias de hoje, implicaria, por exemplo, em uma aliança com os Estados Unidos contra o Estado de “Israel”, ou mesmo um acordo de um país árabe com “Israel” para preservar os seus interesses paroquiais. Uma política com a qual Breno Altman certamente não concorda, nem acredita.