Hoje, dos 212 milhões de brasileiros, 160 milhões utilizam o SUS. Destes, cerca de 60 milhões possuem cartões de desconto para gastos com consultas e exames privados. O gasto per capita com saúde é de R$ 4,7 mil no setor privado e de R$ 2,5 mil na saúde pública. Os números refletem uma das maiores preocupações da população e do governo.
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que colocou a redução das filas como prioridade de seu mandato, tem mantido conversas com o setor privado para discutir medidas conjuntas. Fora da Faria ouviu Dirceu Barbano, ex-presidente da Anvisa e um dos criadores do programa Farmácia Popular, sobre as relações entre os sistemas público e privado de saúde — e se essa intersecção pode ajudar a ampliar o atendimento.
A seguir, os principais trechos:
Fora da Faria: Apesar dos investimentos crescentes no SUS pelo do governo federal, o tempo de espera para consultas, exames e cirurgias continua crescendo. O que pode ser feito para reduzir as filas?
Dirceu Barbano: Para reduzir as filas, em primeiro lugar, está o aumento dos recursos públicos e uma melhor articulação entre os entes públicos. Mas sabemos das dificuldades para ampliar o orçamento da saúde. e precisamos buscar outras soluções. A união de esforços entre os setores público e privado é uma ferramenta poderosa para isso, como o Farmácia Popular já demonstrou.
FF: Como o Farmácia Popular pode ser exemplo para o SUS?
DB: Trata-se de um programa público, que utiliza as redes privadas de farmácias e aceita prescrições médicas tanto da área pública quanto da privada, tendo como foco garantir acesso das pessoas ao tratamento de problemas como a hipertensão, o diabetes e a asma. Devemos nos inspirar neste modelo e aproveitar no SUS os resultados de consultas e exames feitos no setor privado.
Hoje, mais de 60 milhões de brasileiros, especialmente da camada C, já usam cartões de descontos e recorrem a clínicas populares nas periferias das grandes cidades e no interior do país. Temos que regular minimamente estes cartões, estimular o surgimento de novos produtos de saúde suplementar e integrá-los ao SUS, também com o objetivo de ampliar o acesso a consultas e exames.
FF: Essa integração parcial não vai provocar o aumento das filas no SUS?
DB: Ao contrário. A atenção primária e secundária tem capacidade para resolver 80% das demandas de saúde. Significa que, de cada 10 pessoas, 8 vão ter suas demandas de saúde atendidas, inclusive com a utilização de medicamentos do Farmácia Popular, retirados gratuitamente nas farmácias privadas. Por exemplo, um diagnóstico precoce de hipertensão, se tratado adequadamente, custa muito pouco ao sistema de saúde. No entanto, se não for diagnosticado precocemente, as condições de saúde deste paciente vão se agravar, levando à doença renal crônica, e isso sim vai custar muito ao SUS.
FF: Fala-se que o governo Lula estaria apoiando a criação de um ‘plano’ que custaria em torno de 100 reais mensais e só cobriria consultas e exames. Ou seja, tratamentos mais complexos e as internações ficariam de fora. Qual sua avaliação sobre essa possível iniciativa?
DB: A iniciativa é válida, justamente para reduzir as filas do SUS para consultas e exames. E a Agência Nacional de Saúde deve adotar as medidas regulatórias necessárias para proteger quem hoje tem um plano completo. Por exemplo, proibindo a portabilidade. Além disso, é fundamental que esteja claro que o termo ‘plano de saúde’ não deve ser aplicado a este tipo de produto – que deve ser totalmente transparente quanto à sua cobertura e à necessária integração com o sistema público. Até porque, este tipo de produto não é voltado para quem já tem um plano completo.
O importante é ampliar o leque de opções – e aproveitar o fato de que mais de milhões de cidadãos, principalmente de classe C, já recorrem aos cartões de desconto. O público destes cartões de desconto é composto de trabalhadores de aplicativos e de pequenos e microempreendedores, entre outros setores – justamente a camada da população que o governo Lula está buscando atender com um conjunto de políticas públicas.
Defender o SUS é tão importante quanto encontrar soluções para os problemas reais enfrentados pelas pessoas. Quem está na fila da saúde, sempre está com pressa.