Novo decreto de armas reafirma fundamentos de controle responsável de armas, mas cria categoria de atiradores com benefícios adicionais

Nota Técnica do Instituto Sou da Paz

O decreto traz inovações positivas como critérios objetivos para melhorar a fiscalização de clubes, mas prevê benefícios para atiradores de alto rendimento, categoria que ainda não está completamente definida

O decreto 12.345/2024 recentemente publicado é um marco na  preservação da política de controle responsável da circulação de armas no Brasil. As novas regras ajustam pontos importantes, como as regulamentações sobre armas históricas e de coleção, critérios para as categorias de atiradores e para fiscalização e concessão de registro de clubes de tiro, reforçando a necessidade de manter critérios claros e responsáveis para o acesso e uso de armamentos. Mesmo diante das frequentes tentativas de parlamentares armamentistas e da indústria de armas de desconfigurar essa política e das dificuldades do governo federal em avançar em questões estratégicas, o decreto mantém os fundamentos centrais que sustentam o controle de armas no país.

Apesar disso, ainda há desafios consideráveis pela frente, é essencial acompanhar de perto os efeitos de certas flexibilizações que podem comprometer parte do controle sobre categorias específicas, como a ampliação da quantidade de armas de uso restrito (armas de tipos e calibres mais potentes) para atiradores de alto desempenho, uma categoria cuja definição completa ainda depende de ato conjunto do Ministério de Justiça e Segurança Pública e do Ministério do Esporte a ser publicado até março de 2025. Essa definição será essencial para que essa categoria de fato se mantenha restrita de acordo com sua finalidade de fomento ao esporte de alto rendimento e não se transforme em uma porta lateral para um grupo ampliado acessar benefícios excepcionais. Esse controle é extremamente importante considerando que será uma categoria com acesso a grande quantidade de armas e munições e com acesso especial a armas de uso restrito que são de altíssimo interesse para o crime organizado, como os fuzis. 

Além disso, é necessário que o Governo Federal dê condições para finalizar a tão necessária transição da concessão de registros e fiscalização dos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) do Exército para a Polícia Federal, que depende de contratações e recursos próprios que ainda não foram integralmente alocados. Esta ação é estrutural, dadas as enormes fragilidades dos processos atuais, apontadas em auditorias do Tribunal de Contas da União. 

Nesta análise, revisamos os principais pontos do decreto, destacando as mudanças mais relevantes e suas implicações práticas. A preservação dos pilares regulamentares é, sem dúvida, um aspecto positivo, mas ainda há espaço para aperfeiçoamentos que assegurem uma política de controle de armas sólida e equilibrada, como, por exemplo, o fato de que não foi incluída a exigência explícita de que a categoria de atleta de alto rendimento esteja reservada a atiradores de nível 3.

1. Armas históricas e de coleção:

Mantidas restrições específicas:

– Armas de coleção devem ser de modelos cuja tecnologia do primeiro lote tenha 40 anos ou mais de fabricação.

– Proibição da compra de munições para essas armas e de seu uso para tiro.

Mudanças introduzidas:

– Ampliação da possibilidade de emissão de laudos para armas históricas, agora abrangendo também museus públicos e o Comando do Exército.

– Para armas de coleção, o Departamento de Polícia Federal e o Comando do Exército podem atestar a relevância para fins de coleção.

2. Habitualidade e separação de atiradores:

Mantida a separação por limites de categorias de atiradores, que define quantitativos e tipos de armas e munições que cada grupo pode adquirir de forma proporcional à experiência e necessidade.

Mudança principal:

– Habitualidade passa a ser comprovada por categoria de arma, e não mais por calibre;
Exemplo: Um atirador com duas pistolas de calibres restritos (9mm e .40) e duas de calibres permitidos (.32ACP e .380) agora precisa comprovar o uso de apenas uma arma de calibre restrito e uma de calibre permitido, em vez de todas as quatro armas.
Impacto: Embora haja uma perda no controle, a mudança ainda é considerada razoável, uma vez que a maioria dos CACs tem até 2 armas.

3. Clubes de tiro:

Mantida a exigência de distância mínima de 1 km de estabelecimentos de ensino.

– Mudança nas regras de transição:

– Clubes já instalados que não atenderem às exigências terão Restrição do funcionamento:

i. Atividades de tiro permitidas apenas em dias úteis, das 18h às 22h e das 6 às 22h em finais de semanas e feriados.

ii. Nos dias úteis, das 6h às 18h, só poderão realizar atividades administrativas, aulas teóricas, etc.

– Clubes que cumprirem todas as exigências ou estejam em locais adequados podem operar normalmente entre 6h e 22h.

Novas obrigações (prazo para adequação até 31 de março de 2025):

– Isolamento acústico;

– Monitoramento de acervos;

– Medidas de proteção contra transfixação de projéteis, reduzindo riscos de balas perdidas;

– Plano de segurança para resguardar frequentadores, funcionários e terceiros;

– Condições de armazenamento de armas e munições mais específicas

– Envio de relatório periódico ao órgão fiscalizador sobre seu acervo, consumo de insumos e frequência de atiradores e atletas com controle biométrico ou facial.

4. Atirador de alto rendimento:

Criada a categoria de atirador de alto rendimento:

– Necessário estar classificado em ranking nacional, até posição a ser definida por modalidade, ou ter sido convocado para campeonato mundial, olimpíadas ou paraolimpíadas, com regulamentação detalhada a ser elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pelo Ministério dos Esportes.

Benefícios adicionais:

– Limites de armas de uso restrito aumentados: de 4 para 8 armas entre as 16 autorizadas.

– Aquisição de munições ampliada: 20% acima do limite atual.

– Maior flexibilidade na comprovação da habitualidade e na emissão de guias de trânsito.

5. Uso de arma restrita para destinação diversa da registrada:

A proibição de uso de armas restritas para finalidades diferentes das registradas originalmente foi mantida. No entanto, foi estabelecido um período transitório para que atiradores e caçadores transfiram armas de seus acervos para registro como itens de coleção, desde que as armas se enquadrem nos requisitos desta categoria. O prazo para essa adequação é 31 de dezembro de 2025.

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Last Update: 02/01/2025