Débora do Batom. “Está com pena? Leva pra casa!”
por Armando Coelho Neto
Gaze vermelha amarrada na perna, como se estivesse a cobrir uma grande ferida. Cara triste, às vezes uma criança no colo e a mão estendida completam a cena comovente de pedintes enganadores, que se utilizam dos sentimentos de compaixão e solidariedade dos corações moles. Os sentimentos se invertem, sempre que o pedinte é desmascarado e a polícia entra em ação e… Etc..
Passeando no Facebook, lá estava um vídeo com duas crianças menores, além de uma chamada com claros apelos voltados aos sentimentos de compaixão e solidariedade. Ao tentar acionar o vídeo, a página estava fora do ar e não se sabe se há outras, com um objetivo claro: desmoralizar, desacreditar o sistema judiciário por uma condenação aparentemente desproporcional. Coisas do satã Xandão!
O vídeo seria de uma tal Débora com dois filhos. Uma cabeleireira “condenada só porque escreveu (com batom) “Perdeu Mané” numa estátua. Seu caso ganhou mais espaço entre os “humanistas bolsopatas”, do que a mulher condenada a quatro anos de prisão, em São Paulo, por haver furtado um pacote de margarina. Ah! As prisões estão lotadas por pobres flagrados por crimes famélicos, porte de baseados…
Débora do Batom ganhou tanto espaço, que até um ex-juiz corrupto ironizou: “Se ela tivesse roubado a Petrobras estaria livre”. Justo ele, que com seus asseclas, queria tungar bilhões de multas da mesma Petrobras para criar uma Fundação picareta. O mesmo juiz que envergonhou a magistratura, prendeu Lula para eleger um golpista corrupto, apologista de golpe antes e durante assumir a Presidência da República.
Falar de batom e da frase “escrita numa estátua” e ou alegar velhinhos com bíblias é tentar transformar criminosos em coitadinhos – com quem nunca estiveram preocupados. Afinal, cadeia não é hotel, bandido bom é bandido morto, direitos humanos é defesa de bandido. Na prática, da mesma forma que usaram fanáticos para o golpe, querem usá-los para salvar a própria pele. Querem anistia! Aqui ó!
“Não foi pelo batom”, publicou o site Migalhas Jurídicas, que destacou o ataque à Pietà de Michelangelo (Itália 1972) por Laszlo Toth, um húngaro xarope. A arte vilipendiada chocou romanos e turistas, conscientes dos valores intrínsecos e extrínsecos de uma obra de arte. A rigor, a arte traduz valores pelos quais os primatas golpistas não costumavam cultivar. Ataques à Lei Rouanet falam por si.
Para descaracterizar o golpe tentado, a regra é minimizar, relativizar, debochar, desmoralizar o Supremo Tribunal Federal. Nessa trilha, desqualificar a obra do artista Alfredo Ceschiatti ajudaria. Basta por estátua e batom no mesmo nível, em detrimento da aura da Justiça e os valores que a sedimentam. Não, não é pelo batom nem por uma estátua. É pela defesa da Justiça e da Democracia.
É impossível conceber uma Justiça e um Estado que não disponham de instrumentos para defender a si próprios. Tanto a Justiça quanto o Estado estão longe de constituírem estágio ideal, prenhes de imperfeições. Mas configuram, até hoje, o mínimo possível dentro do processo civilizatório, por meio do qual se busca o equilíbrio, a convivência de contrários e a busca pela inclusão de todos.
Não foi o ministro Alexandre Morais que inventou a tentativa como crime consumado. Nada se resume ao Dia 8 de Janeiro, que aliás, estava longe de ser ato final, mas sim decorrência de uma sucessão de atos que desencadeariam o golpe, a ruptura do Estado de Direito. Todos os caminhos do crime foram percorridos. E a mais elementar questão policial continua em aberto: a quem interessava o crime?
Não, Débora. A pena não é uma vingança da sociedade. Sua dimensão é fruto de valores múltiplos socialmente acolhidos que se agregam ao bem jurídico que a sociedade deseja proteger. No caso, da Justiça e da Democracia derivam a proteção de todos os demais direitos, valores, todas as vertentes, credos, inclusive valores não necessariamente escritos, mas aceitos e ou socialmente repudiados.
Os golpistas querem perdão para a bruxa da Branca de Neve, pois afinal, ela só usou uma maçã. Tentam levar para o campo do deboche dos matadores nos grotões brasileiros: “Quem mata é Deus a gente só faz o buraco”. São tantas ironias para um tema tão sério, que para pagar com a mesma moeda só resta dizer umas das falas mais usuais entre os fascistas tupiniquins: “Está com pena? Leva pra casa! ”
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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