Foi em O Livro da Varíola e do Sarampo, escrito por volta do ano 900 d.C., que o médico persa Rhazes descreveu, pela primeira vez, o sarampo, diferenciando-o da varíola.
Rhazes, que viveu na Idade Média e foi médico-chefe do hospital de Bagdá, é considerado, pelo rigor científico e pelos detalhes clínicos de sua obra, um dos pais da medicina moderna.
Muitos anos se passaram no obscurantismo da Idade Média até que Francis Home, um médico escocês, demonstrou, em 1757, que o sarampo era causado por um agente infeccioso. Em 1912, o sarampo tornou-se uma doença de notificação nacional nos Estados Unidos. Naquela época, eram relatadas, a cada ano, cerca de 6 mil mortes relacionadas ao sarampo.
Em 1954, os médicos Enders e Peebles coletaram amostras de sangue de vários alunos durante um surto de sarampo em Boston e conseguiram isolar o vírus, dando o passo inicial para a criação de uma vacina. Em 1963, John Enders e colegas fabricaram a primeira vacina, que foi melhorada em 1968.
O sarampo foi declarado eliminado dos Estados Unidos em 2000. Isso se deveu a um programa de vacinação altamente eficaz, bem como a um melhor controle do sarampo na região das Américas.
Atualmente, a vacina contra o sarampo é combinada com caxumba e rubéola (MMR), ou com caxumba, rubéola e varicela (MMRV), conferindo imunidade vitalícia a essas doenças. A vacina é muito segura e eficaz. Quando mais de 95% das pessoas em uma comunidade são vacinadas, a maioria das pessoas é protegida pela imunidade comunitária.
No entanto, desde a pandemia de Covid–19, uma onda anticiência e antivacina tem se disseminado pelo mundo e atingido em cheio os EUA, onde a cobertura vacinal na infância tem diminuído drasticamente. Como resultado, os EUA enfrentam uma epidemia de sarampo com mortes e casos graves em mais de 20 estados. Num mundo globalizado, isso coloca em risco todo o planeta. Negar a ciência mata. Já vimos esse filme várias vezes na história.
Antes da vacina, quase todas as crianças contraíram sarampo até os 15 anos, com quadros graves de pneumonia, encefalite e morte. Na minha infância, ainda sem vacinas disponíveis, quando uma criança da vizinhança contraía sarampo, rubéola ou catapora, as mães se apressavam a levar seus filhos para ter contato com essa criança, para que pudessem também contrair as chamadas “doenças próprias da infância” e ficarem imunes, sem imaginar que corriam o risco de perder seus filhos.
O sarampo é uma doença grave que pode deixar sequelas por toda a vida ou levar à morte. As principais complicações graves incluem pneumonia e encefalite aguda. O vírus instala-se na mucosa das vias aéreas superiores e invade a corrente sanguínea. Os sintomas incluem febre, tosse, conjuntivite, coriza e podem, no início, ser confundidos com gripe.
O diagnóstico diferencial nesse período pode ser feito pela observação de pequenas manchas brancas na mucosa oral (na face interna das bochechas), características da doença. Entre três e cinco dias podem aparecer manchas vermelhas no rosto e atrás das orelhas, que, em seguida, se espalham pelo corpo.
Após o aparecimento das manchas vermelhas, a persistência da febre é um sinal de alerta e pode indicar gravidade, principalmente em menores de 5 anos. O sarampo é tão contagioso que uma pessoa infectada pode transmitir a doença para 90% das pessoas próximas que não estejam imunizadas.
A transmissão pode ocorrer entre quatro dias antes e quatro dias depois do aparecimento de manchas vermelhas. Após o contato com alguém doente, a pessoa pode apresentar os sintomas, em média, passados dez dias – variando de sete a 18 dias.
O sarampo não tem tratamento específico. Os medicamentos são utilizados para reduzir o desconforto provocado pelos sintomas e pode haver infecções bacterianas associadas à necessidade de uso de antibióticos. O acompanhamento médico é fundamental.
A única forma de prevenir o sarampo é por meio da vacinação. A boa notícia é que, embora os casos no mundo tenham aumentado em torno de 10,3 milhões em 2023, e sigam aumentando até 2025, o Brasil foi recentemente reverificado como país livre de sarampo.
A reverificação confirma a interrupção da transmissão endêmica do sarampo no Brasil, após um surto que começou em 2018 e levou ao restabelecimento da transmissão endêmica em 2019. Graças a extensos esforços de vacinação e vigilância epidemiológica, assim como medidas de resposta rápida a casos importados, o Brasil interrompeu a transmissão em junho de 2022. Ciência em defesa da vida, sempre. •
Publicado na edição n° 1360 de CartaCapital, em 07 de maio de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘De volta à Terra plana’