O ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, assumiu nesta terça-feira, 2, a posição de vice-presidente e chefe global de políticas públicas do Nubank. Ele também passa a integrar o conselho de administração do banco digital.
A nomeação, divulgada inicialmente pelo jornal Valor Econômico, reacendeu críticas sobre a prática conhecida como “porta giratória”, que descreve a transição de ex-autoridades públicas para cargos em empresas privadas que atuam em setores sob sua antiga supervisão.
Campos Neto deixou o comando do Banco Central em 31 de dezembro de 2024, após cinco anos de gestão. Durante esse período, teve atuação marcada por iniciativas em inovação financeira, com foco em temas como moedas digitais, open finance, regulação de criptoativos e o sistema de pagamentos instantâneos Pix. Após cumprir o período de quarentena de seis meses previsto por lei, assumiu a função no setor privado, em uma das instituições mais ativas do setor que regulava.
A contratação estabelece um novo vínculo entre Campos Neto e o setor financeiro digital, agora como membro da cúpula executiva de uma das maiores fintechs da América Latina. Ele se reportará diretamente ao CEO e fundador do Nubank, David Vélez. Entre suas responsabilidades está a condução da interlocução com órgãos reguladores em diferentes países, além da representação institucional do banco em fóruns globais.
O episódio reacendeu o debate sobre o uso da influência adquirida por autoridades públicas em funções estratégicas do setor privado. Representantes do mercado e analistas destacam o desconforto gerado pela transição rápida de um ex-dirigente de autoridade monetária para uma empresa privada diretamente impactada por decisões que ele mesmo participou de formular.
Durante sua passagem pelo Banco Central, Campos Neto esteve à frente de regulamentações ligadas a tecnologias financeiras emergentes. Entre os principais temas conduzidos estiveram os testes de moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs), os ambientes de experimentação regulatória (sandbox), além da estruturação do sistema Pix e da implementação do open finance no país.
Ao assumir um cargo de liderança em uma empresa que atua nesses mesmos segmentos, Campos leva consigo não apenas conhecimento técnico, mas também informações detalhadas sobre o ambiente regulatório e seus players.
O conceito de “porta giratória” é utilizado para descrever a movimentação de quadros do setor público para empresas privadas que têm interesse nas políticas que esses mesmos profissionais ajudaram a desenvolver ou fiscalizar.
Embora a legislação brasileira imponha um período mínimo de afastamento entre o cargo público e a atuação privada, há críticas de que as restrições são insuficientes para evitar conflitos de interesse ou o uso indevido de informações privilegiadas.
A situação de Campos Neto se diferencia de decisões tomadas por seus antecessores imediatos no Banco Central. Ilan Goldfajn assumiu um cargo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Alexandre Tombini foi para o Fundo Monetário Internacional (FMI), Henrique Meirelles ingressou na política após liderar a Autoridade Pública Olímpica, e Armínio Fraga e Gustavo Franco fundaram gestoras independentes.
Outro episódio recente intensificou os questionamentos. De acordo com o Valor Econômico, logo após sua saída do Banco Central, Campos Neto teria atuado informalmente em favor da candidatura de Ana Carla Abrão à presidência da associação do open finance, entidade ligada ao futuro da regulamentação bancária no país. A candidatura de Ana Carla foi apresentada pela Zetta, associação de fintechs que tem o Nubank como um dos principais integrantes.
Participantes do processo afirmaram que mudaram seus votos sob a impressão de que Campos Neto se manteria neutro. A revelação de sua posterior contratação pelo Nubank provocou reações nos bastidores e foi interpretada como um possível sinal de alinhamento prévio entre o ex-presidente do BC e a empresa.
O Nubank não comentou o episódio. Campos Neto, procurado pela reportagem, também não se manifestou.
O caso reabre discussões sobre os limites entre o permitido e o adequado nas transições entre o setor público e o privado. Especialistas apontam que a legislação brasileira trata do conflito de interesses de forma insuficiente. Embora exista a previsão legal da quarentena e a proibição de determinadas atividades durante o exercício da função pública, não há mecanismos mais abrangentes que previnam potenciais influências indevidas ou a percepção de favorecimento.
Desde 2021, o Banco Central passou a contar com autonomia formal. A nomeação de Campos Neto para um cargo estratégico em uma instituição diretamente impactada por sua antiga atuação levanta questionamentos sobre a eficácia da independência institucional da autarquia monetária.
As críticas se concentram não apenas no aspecto legal, mas na necessidade de normas mais claras e consistentes para assegurar a neutralidade das decisões públicas. A movimentação de Campos Neto amplia o debate sobre a integridade do processo regulatório e fortalece os argumentos de quem defende a revisão das regras de trânsito entre os setores público e privado no país.