A decisão da Suprema Corte de Justiça da Argentina de manter a pena de seis anos de prisão contra a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner já era esperada, mas a confirmação, na última terça-feira 10, é um divisor de águas na política do país.
Há uma semana, Cristina havia confirmado que se candidataria a deputada. Agora, a decisão da instância máxima do Judiciário mergulha a ex-presidenta, o peronismo e outras forças políticas da Argentina em um cenário de incerteza.
O tabuleiro político
A reação mais contundente entre os críticos do governo de Javier Milei veio de Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires e um dos principais nomes da oposição. O mandatário chamou a decisão de “vergonha” e avaliou que ela “causa um enorme dano à democracia”.
Kicillof não descarta mudar o calendário eleitoral na província que governa, justamente por causa da decisão da Suprema Corte. “Hoje, estamos em um país diferente”, sintetizou, reconhecendo que interlocutores vêm promovendo reuniões para avaliar os possíveis “cenários” diante da decisão.
Foi o próprio Kicillof quem, por meio de um decreto, fez a separação entre as eleições provinciais e o pleito nacional. Em abril, o governador de Buenos Aires marcou as eleições provinciais para o próximo 7 de setembro, enquanto as nacionais – para a Câmara e o Senado – acontecerão apenas em outubro. A decisão contrariou a ala ‘kirchnerista’ do peronismo. É na eleição de setembro que Cristina pretende concorrer.
Kicillof é o principal expoente de um processo de renovação do peronismo. O movimento político amargou uma derrota considerável para a coalizão de Milei na eleição de 2023 e ainda teve de lidar com as graves denúncias contra o ex-presidente Alberto Fernández. A confirmação da condenação de Cristina, portanto, impacta Kicillof, que já foi apontado pela ex-presidenta como um possível candidato à Casa Rosada.
Milei – cujo discurso não apenas contrário ao peronismo, mas ‘anti-kirchnerista, foi fundamental para a sua chegada ao poder – foi sintético ao comentar a decisão da Suprema Corte. “Justiça. Fim”, postou o ultraliberal no X.
No ano passado, quando a segunda instância chancelou a condenação da adversária, Milei anunciou o cancelamento da aposentadoria dela, assim como da pensão que Cristina recebia por causa da morte do ex-presidente Néstor Kirchner.
Somente o tempo mostrará os efeitos concretos da condenação de CFK sobre as ações políticas do presidente. De um lado, uma eventual saída de cena de Cristina reforçaria o discurso anti-peronista de Milei. Por outro, o esfumaçamento dela tira de Milei o principal alvo de seu discurso, embora o ultraliberal não se furte a criticar tudo aquilo que chama de ‘casta’ política.
Para a oposição peronista a Milei, a necessidade de juntar forças ainda não se converteu em um movimento uniforme. Nem mesmo a figura política de Cristina Kirchner é unânime no movimento, que transita sem grandes constrangimentos entre as mais diferentes alas políticas.
Os sindicatos, cujo apoio à ex-presidenta é firme, organizaram protestos imediatos logo na noite de terça-feira. Milhares de manifestantes se reuniram em frente à sede do Partido Justicialista e da casa da ex-presidenta. A Confederação Geral do Trabalho (CGT), principal agremiação sindical do país, comparou a decisão do tribunal argentino ao caso que levou à prisão o presidente Lula (PT). O grupo é reticente sobre a possibilidade de convocar uma greve geral contra a condenação, mas outras organizações já começaram a organizar marchas e protestos.
A estratégia jurídica
A decisão fecha as portas do Judiciário para Cristina, mas a sua defesa aposta na denúncia a instâncias internacionais. Uma delas é o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, para onde o advogado de Cristina, Gregorio Dalbón, viajou na última terça-feira 10. Ele recomenda protocolar ações em todos os mecanismos internacionais disponíveis.
Enquanto isso, a defesa da líder peronista pede que ela cumpra prisão domiciliar, alegando que a sua idade (72 anos) é um fator de risco em uma possível prisão. Os advogados também argumentam haver perigos à segurança de Cristina, uma vez que ela sofreu um atentado em setembro de 2022.