De agregado a titular

por Antonio Machado

Partidos de centro se unem para eleger o presidente e ampliar sua maioria no Congresso em 2026

O que será a médio prazo do Brasil, frente às eleições gerais em outubro de 2026, e do mundo, à mercê da combustão da ordem global pelo presidente Donald Trump, ninguém sabe dizer com exatidão. A única certeza é que tudo vai mudar, como já vem mudando não pelas artes da política doméstica e da geopolítica, mas pela tecnologia.

Os sinais de mudança global são claros, desde que as maiorias mal representadas pelos partidos tradicionais na Europa e EUA passaram a votar para repelir as forças do status quo – parte pela sensação de empobrecimento e rigidez social, parte pelo receio da imigração descontrolada e pelo desprezo ao senso de superioridade das ideias progressistas sobre igualdade racial e de gênero.

No Brasil, embora também presentes, tais questões têm pouco apelo eleitoral. O eleitorado é maciçamente conservador, o que explica o domínio legislativo, com mais de dois terços da Câmara e Senado, dos partidos de centro e de direita. Desde a redemocratização tem sido assim, apesar do fim da hegemonia, em 2002, da aliança entre PSDB, MDB e PFL (que foi pulverizado numa salada de siglas, do PP, Republicanos e União Brasil ao PSD e outras menores).

Tal maioria, contudo, não se converteu em candidaturas viáveis à presidência da República, implicando o experimento Frankestein do chamado “presidencialismo de coalizão”. Armado ou com aliciamento espúrio de maiorias pela esquerda ou com a entrega do orçamento federal no governo de Jair Bolsonaro, via fatiamento dos recursos orçamentários entre cada parlamentar, esse sistema de governança política profanou a gestão pública e gerou corrupção endêmica.

Ambos os sistemas se exauriram não só pela anemia orçamentária e pela conivência do Judiciário, cada vez mais à vontade para, por meio de ameaças explícitas ao parlamento, tomar para si a decisão de engordar os vencimentos de juízes e promotores estabelecendo “gratificações” isentas de IR. A governança do Estado apodreceu.

Isso vem de longe, só que agora boa parte do eleitorado reclama mudanças, dispondo-se a eleger qualquer um que pareça, basta isso, não compactuar com a roubança do ervanário público, tipo a fraude no INSS. O sinal de alarme tocou no QG dos partidos que controlam o Congresso, com a mudança ganhando significado de urgência.

Nem Lula nem Bolsonaro

Dois dos principais partidos do chamado centrão anunciaram nesta semana que formaram uma federação – uma faculdade legal segundo a qual as agremiações se apresentam nas eleições e no Congresso como um corpo único, embora continuem existindo individualmente.

O PP (ou Progressistas) e o União Brasil decidiram juntar-se sob tal arranjo, formando uma federação partidária com 109 deputados, 14 senadores, seis governadores, 1.330 prefeitos e o maior fundo eleitoral (cuja partilha, além da do fundo partidário, tem como critério o tamanho da bancada de deputados federais). Se der liga, o UP (União Progressista) será o maior bloco da Câmara, passando o PL de Bolsonaro, que tem 91 deputados (contra 68 do PT).

Em estágio avançado, MDB e Republicanos também negociam federar-se, formando uma bancada de 88 deputados e 15 senadores, podendo, adiante, coligar-se ao União Progressista para lançar um candidato competitivo contra a provável candidatura à reeleição de Lula.

Não se cogita até o ano que vem desistir do barco governista, no qual União Brasil tem três ministérios, tal como o PSD de Gilberto Kassab, que, não obstante, é o secretário de Governo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, filiado ao Republicanos, embora seja a estrela maior do grupo bolsonarista aninhado no PL.

Em nome da governabilidade, tais partidos ficam com Lula até que amadureça a candidatura adversária na corrida presidencial. O mais cobiçado é Tarcísio, que, por ora, se diz candidato à reeleição. As federações dos partidos de centro são uma maneira de Bolsonaro, inabilitado pelo TSE, entender que a direita quer algo novo, e Tarcísio pode vir a ser o denominador comum a todos eles.

Os riscos de um vexame

Os riscos para a travessia unificada até 2026 do conservadorismo, com viés reformista e modernizante, não são poucos. O maior deles seria repetir a máxima do romance O Leopardo, num diálogo sobre a decadência da aristocracia e a ascensão da burguesia na Sicília do final do século 19: “Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. Isso tem sido comum nas últimas décadas.

De nada serve o eleitor votar num parlamentar de um partido que se diz de direita e depois vê-lo saltitante ao lado de Lula, até participando de seu governo…e vice-versa: o eleitor de esquerda assistir a cambalachos justificados pela tal correlação de forças desfavorável no Congresso. Pior: o governo se aliar ao Supremo a fim de buscar a governabilidade com a usurpação da independência entre os três poderes constitucionais. Essa corda está puída.

Como se une interesses hoje dispersos entre grupos fisiológicos, de oposição e de adesismo compulsivo, conforme o perfil dos partidos de centro-direita e centro-esquerda? Com um programa ao menos de intenções, antecedendo uma plataforma real de mudanças econômicas, políticas e sociais. Esse lhes será o maior desafio.

Para reaver a res publica

O PP, do senador Ciro Nogueira e do deputado Arthur Lira, e o União Brasil, de Antonio Rueda e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sugeriram mais mercado e menos Estado, no discurso de lançamento da federação. Lembra Javier Milei, na Argentina, embora seu governo dito “libertário” esteja mais para a ortodoxia fiscal.

Uma federação eventual do MDB com Republicanos, talvez com o PSD, pode trazer mais equilíbrio programático, ou, dito de outra forma: a prevalência da eficiência no setor público – que é o que falta, por exemplo, para erradicar a corrupção de longa data no INSS e em outras autarquias -, e não o “anarcocapitalismo” de Milei.

Dificilmente tais formulações sairão do plano de intenções sem o envolvimento do setor privado, hoje desarticulado, sem disposição, com raríssimas exceções, para se envolver na montagem de um programa não bem para uma candidatura nem para partidos, mas para o país. Essa é uma falta grave. Não se muda nada à revelia do setor privado, e só a política pode viabilizá-la numa democracia.

A opção é a res publica a serviço de poucos grupos econômicos à direita e à esquerda, desvio que hoje acomete a todos os poderes. Seja como for, a movimentação partidária reaviva esperanças de tempos melhores e pode provocar, talvez, a rearrumação do governo.

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Last Update: 03/05/2025