Darwinismo Monetário
por Manfred Back e Luiz Gonzaga Belluzzo
As relações entre dívida pública, gestão monetária e setor financeiro privado não são ‘externas’. São orgânicas e constitutivas. A dívida do governo é a garantia de última instância das operações financeiras privadas.
Nos tempos de “normalidade”, as formas financeiras do poder privado permitem diversificar a riqueza de cada grupo, distribuí-la por vários mercados e assegurar o máximo de ganhos patrimoniais, se possível a curto prazo.
Os agentes dessas operações são as instituições da finança privada. São elas que procuram antecipar movimentos de preços e definir os instrumentos de hedge e os riscos de contraparte nos mercados financeiros contemporâneos.
Nas crises financeiras, a dívida pública apresenta suas credenciais de tábua de salvação diante dos desatinos dos mercados privados.
Em um clima de convenções “otimistas”, bancos e demais instituições financeiras cuidam de antecipar o
“estado de confiança” e estimar as condições de liquidez dos mercados, em conformidade com a
evolução dos balanços de empresas, famílias, governos e países.
Sim, países, porque, na era da finança global, a integração dos mercados submeteu o processo de
“precificação” dos ativos privados e públicos denominados em moedas distintas às antecipações
acerca dos rendimentos dos ativos “de última instância”, líquidos e seguros, emitidos pelo Estado
gestor da moeda-reserva. Esses títulos são o fundamento do sistema de criação moeda fiduciária à
escala global, o último refúgio da confiança.
A incerteza sobre Trump provocou um abalo sísmico nos mercados de títulos do governo, os ativos de última instância da economia global. A trumpada desatou um estreitamento no spread entre os rendimentos dos títulos públicos emitidos pelo Tesouro e os swaps de juros, provocando perdas substanciais que dispararam uma avalanche de operações de desalavancagem, ou seja, venda de treasuries no mercado de títulos , provocando um aumento de rendimentos no papel de 10 anos cujo
yields chegaram a 4,5%aa e de 30 anos a máxima de 5%aa, A venda maciça de títulos provocou uma alta na taxa de juros americana em apenas dois dias.
Com a perspectiva de possíveis três cortes de juro pelo Federal Reserve para esse ano, os fundos hedge montaram uma operação, onde compram treasuries (Títulos públicos federais americanos) e vendem swap de juros no mesmo prazo, esperando ganhar na diferença de taxas, ou seja, caso houvesse os cortes, os preços dos títulos subiriam mais que a diferença na operação de swap de juros, essa operação chama casada ou travada. Foram realizados trilhões de dólares nessas operações, segundo dados do BIS (Banco de Compensações Internacionais) no seu relatório em 2024. O BIS alertava nesse relatório seu temor casou houvesse um aperto monetário na taxa americana, poderia criar um efeito manada, saída brusca dessa operação, e gerar falta de liquidez e inadimplência! Os chamados Swap Forewards são formas de crédito sombra que não aparecem como crédito tradicional, e realizados em sua maior parte por instituições não bancárias, não sujeitas a supervisão e regulação pelas autoridades monetárias. Algumas bastante conhecidas como BlackRock, Vanguard, Pimco e os fundos hedge. O movimento de saída dessas operações começou na madrugada da quarta-feira da semana passada capitaneados pelos fundos hedge. Bilhões e bilhões de dólares.
Nick Lawson advertiu: “Os fundos de hedge têm trilhões investidos nesse tipo de estratégia”, disse ele. “À medida que as coisas se agravam, eles estão sendo forçados a vender tudo o que podem — até mesmo ativos bons — só para se manterem à tona… se o Federal Reserve não intervir logo, isso pode se transformar em uma crise generalizada. É sério demais.”
Algumas tesourarias bancárias dentro e fora do Tio Sam externaram preocupação com esse movimento, pedindo a intervenção do Federal Reserve na compra dos treasuries para estabilizar os preços e dar liquidez no mercado.
Situação parecida houve na COVID, e FED fez intervenção. “A liquidação pode estar sinalizando uma mudança de regime, na qual os títulos do Tesouro dos EUA não são mais o porto seguro global de renda fixa”, disse no Financial Times Ben Wiltshire, estrategista do Citi”.
O movimento do dinheiro e suas formas mudam, porém, acabam no mesmo lugar, na preferência pela liquidez. Na hora da desconfiança e incerteza, procuram o porto seguro. Até as trumpalhadas da semana passada, eram os treasuries, os títulos públicos da América.
Isso tem provocado uma desvalorização acelerada da moeda americana perante o euro, chegou a passar de 1,15 dólar por euro, e uma alta forte do ouro futuro na casa de 3450 dólares a onça. Uma fuga de dólares. Esse movimento é preocupante, pois, são trilhões de dólares envolvidos nessas operações.
“Não é que os banqueiros centrais estrangeiros estejam conspirando contra os Estados Unidos. É apenas que o dólar é a única reserva internacional segura em que podem depositar as mãos. É natural que os bancos centrais europeus e asiáticos acumulem os dólares que fluem para a Europa e a Ásia quando os americanos importam coisas. Ao não trocarem seus estoques de dólares por suas próprias moedas, o Banco Central Europeu, o Banco do Japão, o Banco Popular da China e o Banco da Inglaterra suprimem a demanda (e, portanto, o valor) de suas moedas. Isso ajuda seus próprios exportadores a aumentar suas vendas para os Estados Unidos e a ganhar ainda mais dólares. Em um círculo vicioso, esses novos dólares se acumulam nos cofres dos banqueiros centrais estrangeiros que, para obter juros com segurança, os usam para comprar títulos da dívida pública americana”. (Yanis Varoufakis)
O preço do ouro, o euro, e os títulos públicos alemães continuam torcendo para as trumpalhadas, os americanos rezam não para Deus, mas para o Federal Reserve!
In god we trust! Era o lema do dólar…
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