A senadora bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF) em discurso sobre o Marajó (PA) no Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Um programa da senadora bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF), criado sob a justificativa de combater supostas violações de direitos humanos e acusações nunca provadas de exploração sexual na Ilha de Marajó (PA), acabou por abrir brechas para a grilagem de terras e benefícios a igrejas evangélicas, conforme informações do UOL.

Damares implementou o programa Abrace o Marajó em 2020, durante sua gestão à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro (PL).

Durante a execução do Abrace o Marajó, houve uma série de irregularidades envolvendo as terras do arquipélago, especialmente devido ao interesse por essas áreas no mercado de agronegócios e crédito de carbono. Igrejas evangélicas foram construídas em terrenos que deveriam ser destinados ao uso comunitário da população ribeirinha.

Grilagem de terras e benefícios a igrejas

Uma das mudanças durante a gestão de Damares foi a inclusão da regularização fundiária como uma atribuição do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Ao todo, mais de 400 TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) foram emitidos, autorizando o uso de mais de 50 milhões de metros quadrados de terras federais. No entanto, muitas dessas autorizações ocorreram sem a regularização oficial das terras, o que configura uma possível fraude, de acordo com investigações.

Os TAUS autorizam o uso das terras da União e, em municípios como Bagre e Oeiras do Pará, as emissões ocorreram de forma irregular, incluindo templos religiosos. Edno Dias, pastor da Assembleia de Deus e secretário de Agricultura de Bagre, afirmou que, onde o poder público não chegava, as igrejas chegavam, ajudando a garantir a posse das terras.

Vários moradores relataram ter recebido terrenos de grandes dimensões sem saber da real extensão dessas áreas. Em alguns casos, parte das terras foi “doada” informalmente para a construção de igrejas. Antônio Martins, morador de Bagre, recebeu um TAUS de 2,1 milhões de metros quadrados e permitiu a construção de um templo em sua propriedade.

No entanto, essas terras continuam sendo de propriedade da União e, portanto, não podem ser legalmente transferidas. O Ministério da Gestão já reconheceu que, apesar da emissão dos TAUS, não houve ações oficiais de regularização nas cidades de Bagre entre 2019 e 2022, o que reforça a suspeita de irregularidades no processo.

População ribeirinha da Ilha de Marajó (PA). Foto: Reprodução

Em Oeiras do Pará, 160 TAUS foram emitidos com a mesma coordenada geográfica, o que indica erro ou manipulação nos registros. A prefeita de Oeiras, Gilma Ribeiro (PP), foi responsável pela inclusão do município no programa em 2022, o que facilitou a emissão desses documentos.

Outro ponto que levanta suspeita foi a atuação da empresa Biotec Amazônia, parceira do programa, que tem no conselho Paulo Bengtson, primo de Damares Alves e pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular. A senadora, por meio de sua assessoria, afirmou que não teve envolvimento na escolha da empresa nem nas emissões dos TAUS.

A coordenadora-geral da Amazônia Legal na SPU entre 2009 e 2013, a advogada Patrícia Menezes, criticou o uso do programa para interesses religiosos e eleitorais:

“Utilizar TAUS para implantar igrejas evangélicas no Marajó é absolutamente irregular e deve ser apurado, considerando os riscos de improbidade administrativa na gestão do patrimônio público federal e sua combinação com crimes eleitorais de desvio de finalidade na utilização de instrumento de destinação do patrimônio da União”, afirmou.

Fake news

Damares Alves também está sendo processada pelo Ministério Público Federal por disseminação de fake news. A bolsonarista chegou a afirmar publicamente que meninas marajoaras seriam exploradas sexualmente por não usarem calcinhas e que teriam os dentes arrancados “para não morderem na hora do sexo oral”. O MPF pede indenização de R$ 5 milhões por danos coletivos.

A senadora deve retornar ao arquipélago em 22 de maio, acompanhada de uma comitiva parlamentar. A assessoria afirma que o objetivo da visita é “constatar, com os próprios olhos, todas as situações denunciadas pelos moradores”.

O Ministério da Gestão informou que iniciará uma apuração detalhada sobre os TAUS emitidos durante o programa e a legalidade dessas autorizações. A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) reavaliará, caso a caso, as autorizações emitidas no período.

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Last Update: 09/05/2025