Da primeira carta a Gabriel, ou: “É Tudo narrativa, estúpido!”
por Eduardo Ramos
E você chegou, meu querido primeiro-neto, Gabriel. Há quatro dias, oito de julho de 2025, pouco antes das nove da noite, filho da Sabrina, a nora, e do Daniel, o filho. Eu estava sentado à frente do computador escrevendo esse texto sobre o quanto essa palavra – “narrativa” – se tornou SIGNIFICATIVA AO EXTREMO nesses tempos de distopia máxima que vivemos, quando recebi a notícia de que você estava vindo.
Como ocorre muito habitualmente, leituras nesse blog (o GGN) que acolhe eventualmente os artigos de seu avô costumam me inspirar a escrever, porque estimulam meus pensamentos e emoções. Vou exemplificar pra você: um artigo intitulado “O papel de Janja e Nikolas na Guerra de Atenção”, de Reynaldo Aragon e Eden Jardim, tem uma frase que simboliza o poder da NARRATIVA e sua importância, na verdade, desde tempos imemoriais:
“No passado os conflitos se davam pela força bruta ou por disputas territoriais, hoje o território mais disputado é a mente coletiva.”
– frase essa que revela por si só uma das narrativas que reputo verdadeira: O poder, hoje, deriva muito mais do controle pelas chamadas Big Techs do que das armas convencionais. Quem MANIPULA a informação – ou as narrativas dela decorrentes… – detém uma das mais essenciais chaves de poder político e social sobre as nações nesses tempos insanos.
A inspiração do texto original desse artigo – “Tudo é narrativa, estúpido!” – é uma brincadeira e uma homenagem a uma das frases e ideias mais simples e geniais que li e ouvi desde sempre sobre uma das bases para a vitória de um candidato a presidente em uma eleição: “É tudo Economia, estúpido!” – porque, de fato, pesquisas mostraram vitórias ou derrotas de candidatos a partir dos índices econômicos à época da eleição presidencial.
Mas hoje, apesar de ainda válida, essa premissa passa longe de ser a única ou mesmo “a mais essencial”. Num país fraturado entre o “bolsonarismo” X “o mundo civilizado e democrático”, a frase emprestada que selecionei como base do meu artigo me parece a base e ao mesmo tempo o “campo de batalha” social e político, de modo permanente, cotidiano e também pensando em termos da eleição de 2026 – “Hoje o território mais disputado é a mente coletiva.”
Ora, sendo essa premissa verdadeira, as ferramentas, as armas dessa guerra são, ACIMA DE QUAISQUER OUTRAS, AS NARRATIVAS E O SEU PODER DE INFLUENCIAR AS MASSAS.
Cito um exemplo bem objetivo desse poder das narrativas no Brasil: a operação Lava Jato, em que heróis farsescos foram literalmente CRIADOS pela grande mídia brasileira, na verdade, pessoas que hoje são enxergadas por muitos como medíocres, como vários procuradores da Lava Jato e o juiz Sérgio Moro, e não só suas “personalidades heróicas tornadas públicas” hoje soam como obra de ficção – NARRATIVA PURA!… – como também suas intenções (“combater a corrupção” como motivo da Lava Jato hoje é risível de tão inverossímil) e todo o modus operandi da operação em si, nefasta ao Brasil como poucos eventos em nossa história.
Como pôde uma operação que destruiu grandes empresas, milhões de empregos, formou e permitiu o nascedouro do extremismo mais fanático do Brasil – o bolsonarismo – e nos fez regredir em todos os sentidos, ser celebrada e festejada por praticamente 80% da nossa sociedade em seu auge de popularidade? A resposta: O CONTROLE DAS NARRATIVAS PELA GRANDE MÍDIA E AS REDES SOCIAIS, EXERCENDO UMA PRESSÃO ESMAGADORA SOBRE AS NOSSAS INSTITUIÇÕES.
Há narrativas sobre TUDO, na verdade: deus, religião, o tal do “mercado”, “comunismo”, direita, esquerda, “liberdade de expressão”, até a democracia, coitada, tem sido vilipendiada por gente como Trump e Bolsonaro, para quem a democracia nada mais é do que o ambiente político e social necessário APENAS para que cheguem ao poder, tornando-se um obstáculo a ser removido a qualquer custo, quando esse poder é, por eles, alcançado. A tal da “narrativa”, usada por gente sem caráter, é devastadora como bombas numa guerra.
Qual o melhor antídoto contra as narrativas MANIPULADORAS que querem nos tornar em rebanho?
Um filósofo que admiro muito, chamado Niezstche, em seu livro mais famoso, “Assim falou Zaratustra” escreveu uma das mais extraordinárias frases de todos os tempos:
“MANDA-SE NAQUELE QUE NÃO SABE OBEDECER A SI MESMO.”
Ora, o que é “não obedecer a si mesmo”, do que obedecer a outrem???
E isso se inicia na mente de cada um de nós. Fanático é como chamamos os pobres seres humanos que, muito distante de “obedecerem a si mesmos”, obedecem ÀS NARRATIVAS CRIADAS PROPOSITALMENTE COM O OBJETIVO DE ESCRAVIZÁ-LAS E USÁ-LAS PARA A OBTENÇÃO DE PODER SOCIAL E POLÍTICO.
Você nasce, meu neto, nesse tempo, portanto, em que A SUA MENTE É E SERÁ UM CAMPO DE DISPUTA de diversas narrativas, algumas delas vindas dos esgotos fétidos da mentira, da farsa, da manipulação mais tosca, pessoas que tentarão te transformar em um triste e pobre gado humano a ser tangido com propósitos para lá de obscuros.
Busque suas verdades, seus valores, seus princípios de vida, sua ética, SUAS NARRATIVAS PESSOAIS E EXISTENCIAIS, ou, como diria o maior filósofo de todos:
“Aprenda a obedecer a si mesmo!” (o que começa, indubitavelmente, na potencialidade e desejo por liberdade, autonomia e independência de seus pensamentos e busca por conhecimento).
Seja bem vindo, amado Gabriel!
(eduardo ramos)
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