Da identificação civil à cidadania digital para todos

por Chico Lucas e Marcelo Mascarenha

A Abolição da Escravatura e a Proclamação da República marcaram um período de transição e controle social no Brasil. Diante do crescimento urbano e do medo das chamadas “classes perigosas”, surgiu a necessidade institucional de identificar os indivíduos. Em 1903, foi criado no Rio de Janeiro o Gabinete de Identificação e Estatística Criminal, chefiado pelo piauiense José Alves Félix Pacheco, responsável por introduzir a datiloscopia no país. Desde então e até hoje a identificação é tratada como matéria policial.

A Constituição de 1988 inovou ao separar a identificação civil da identificação criminal, determinando entre os direitos e garantias fundamentais que somente nos casos excepcionais definidos em lei se fará a identificação criminal de quem já for civilmente identificado. Essa inovação constitucional, porém, não se converteu em ação concreta. A subordinação da identificação civil às estruturas de polícia nos estados persistiu.

O Estado do Piauí resolveu dar efetividade ao comando constitucional. Em 2023, separou formalmente a identificação civil da criminal, criando dois institutos distintos. O Instituto de Identificação Digital Félix Pacheco, voltado para a cidadania e direitos sociais, responsável pela identificação civil, diretamente vinculado ao gabinete do secretário de segurança, e o Instituto de Biometria Forense João de Deus Martins, responsável pela identificação criminal, subordinado ao Departamento de Polícia Técnico-Científica.

Essa reestruturação institucional promoveu uma mudança de paradigma na forma da relação do Estado com o cidadão. A carteira de identidade passou a ser entendida como direito e instrumento de acesso a direitos, não mais como obrigação. O Piauí é o único entre os 27 estados brasileiros com essa estrutura administrativa. Essa singularidade permitiu ao estado liderar nacionalmente a emissão da nova CIN: até junho de 2025, o Piauí já emitiu mais de 1 milhão de carteiras, documentando cerca de 35% da população com a nova carteira de identidade. Já são mais de 180 unidades, com coleta biométrica digital, em 158 municípios, com meta de cobertura total dos 224 municípios até dezembro de 2025. Além disso, o órgão também realiza busca ativa com públicos-alvo, por meio de ações itinerantes e visitas domiciliares. O objetivo é avançar sem deixar ninguém para trás.

A concepção de atendimento implementada no Piauí vai além da expansão territorial. Ela prioriza ambientes mais humanizados e desvinculados da estrutura policial. Além do fator físico, a percepção social de acolhimento influencia diretamente na decisão dos usuários. Mulheres, jovens e idosos, em especial, relatam maior sensação de comodidade e receptividade ao frequentar nossas unidades.

A identidade civil no Piauí passou a ser entendida como instrumento de acesso à cidadania. O princípio norteador do novo modelo adotado pelo Piauí é o de que “os dados circulam, não as pessoas”. A nova CIN, integrada aos aplicativos Gov.br e Gov.PI, permite que o cidadão acesse mais de 500 serviços públicos diretamente pelo celular. O acesso à identidade torna-se, portanto, a porta de entrada para a cidadania digital.

Desta forma, a cidadania digital configura-se como um desdobramento essencial do direito à cidadania no contexto contemporâneo. Mais do que uma inovação tecnológica, ela representa uma nova maneira de inclusão social, permitindo que indivíduos interajam com o Estado por meios digitais e tenham acesso a políticas públicas de forma mais ágil, segura e eficiente.

Para fortalecer esse conceito, o Governo do Estado transformou o Instituto de Identificação Digital em Instituto de Cidadania Digital e, além disso, cada posto de emissão da CIN se tornou uma Unidade de Serviços Digitais (USD), que atua como ponto descentralizado de acesso à documentação e aos serviços digitais, seja em espaços próprios ou em parceria com outras instituições.

Em 2025, o Estado deu mais um passo ao inaugurar o primeiro Espaço da Cidadania Digital. Localizado em Teresina-PI, o espaço reúne serviços de identificação, saúde, educação, assistência social e inovação tecnológica, todos conectados por meio da identidade digital.

Além disso, estamos equipando todas as maternidades públicas do estado com unidades de serviços digitais, para que o piauiense já nasça no ambiente da cidadania digital. Esse é o caminho da inovação que o Piauí desbravou de forma pioneira, mas que deve servir de modelo para a reestruturação dos institutos de identificação em todo país.

Chico Lucas – Secretário de Segurança Pública do Estado do Piauí

Marcelo Mascarenha – Superintendente do Instituto de Cidadania Digital Félix Pacheco

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Last Update: 08/07/2025