Da Deshasbarização das Mentes

Por uma libertação das consciências diante da propaganda sionista

por Mohammed Hadjab

Introdução

A opressão não começa com bombas, mas com palavras. Ela nasce de narrativas impostas, de linguagens capturadas, de quadros mentais forjados nos laboratórios da propaganda. No caso da Palestina, essa opressão se chama Hasbara: uma empreitada sistemática de justificação do injustificável, que conseguiu infiltrar até mesmo as palavras que usamos para pensar o conflito israelo-palestino. Se quisermos realmente combater o sionismo e as formas contemporâneas de colonialismo, é preciso começar por uma descolonização radical de nossos espíritos — uma deshasbarização.

1. Hasbara: uma semântica imperial

A palavra Hasbara significa literalmente explicação, mas trata-se de uma explicação interessada, instrumental, construída para justificar a ordem colonial israelense. Não é apenas uma estratégia de comunicação: é uma ideologia linguística, uma engenharia cognitiva que impôs uma leitura binária do mundo — Israel como democracia civilizada, os palestinos como ameaça bárbara.

Assim, nos meios de comunicação, Israel “responde”, “se defende”, “neutraliza”; os palestinos “atacam”, “provocam”, “espalham o caos”. O vocabulário da legitimidade foi confiscado.

2. A culpa ocidental instrumentalizada

O segundo pilar dessa dominação mental repousa sobre a “culpa histórica ocidental” ligada ao Holocausto (Shoah em hebraico). Crime atroz, genocídio europeu, cometido por europeus contra europeus, foi transformado em moeda moral para legitimar a criação de um Estado colonial sobre as ruínas de outro povo. Qualquer crítica a Israel passa a ser lida automaticamente sob o prisma do antissemitismo, neutralizando qualquer análise política séria.

O Ocidente, buscando lavar as mãos de seus próprios crimes, encontrou um álibi perfeito: apoiar o Estado de Israel em nome de valores humanistas… ao mesmo tempo em que fecha os olhos para o apartheid assumido, as limpezas étnicas e uma ocupação ilegal.

3. Uma “ocidentalidade” israelense fabricada

A Hasbara também operou um verdadeiro golpe identitário: transformou Israel em bastião ocidental num Oriente retratado como arcaico e violento. Essa assimilação voluntária de Israel aos “valores ocidentais” permite apresentar qualquer ação israelense como defesa da democracia contra a barbárie, apagando o fato colonial e as realidades históricas.

Trata-se de um discurso imperial, onde o ocupante veste os trajes de vítima esclarecida, e onde toda forma de resistência é sistematicamente demonizada.

4. Por uma gramática decolonial

Combater o sionismo não começa apenas no campo de batalha, mas nos cérebros. É necessário purificar nossa linguagem das categorias armadilhas: parar de falar em “conflito”, “ciclo de violência” ou “processo de paz” quando se trata, de fato, de uma colonização em curso. Evitar termos como “confrontos” para descrever uma guerra assimétrica. Dar nome às coisas como elas são: apartheid, colonialismo, limpeza étnica.

Como demonstrou o historiador israelense Ilan Pappé em sua obra “A Limpeza Étnica da Palestina”, os próprios sionistas, a começar por David Ben Gourion, usavam sem rodeios os termos hebraicos Tihour (purificação), Biour Hametz (eliminação do fermento, expressão do ritual da Pessach, pascoa judaica) e Nikouï (limpeza) para se referir à expulsão planejada dos palestinos. Não se tratava de uma guerra defensiva, mas de uma higienização étnica conscientemente pensada, executada e assumida como tal no próprio vocabulário do projeto sionista.

A deshasbarização das mentes é um trabalho de verdade, mas também de coragem intelectual. Exige sair do conforto da neutralidade, desconstruir nossos próprios vícios linguísticos e ter a ousadia de afirmar que o que está em jogo não é um conflito religioso ou um desacordo geopolítico, mas sim um projeto colonial sustentado por uma propaganda hegemônica.

Conclusão

Descolonizar os espíritos também é desocidentalizar os afetos, desativar os discursos dominantes e ousar pensar de outra maneira. É recusar-se a falar como o opressor, a pensar com suas palavras, seus medos e suas ficções.

A Palestina só será livre quando nossa linguagem também for liberta. E essa liberdade começa aqui: com uma insurreição semântica, uma revolução das consciências — uma deshasbarização.

Isso implica reencontrar as palavras justas, aquelas que nomeiam a injustiça sem rodeios. Às vezes é preciso ressuscitar vocabulários esquecidos; outras vezes, criar palavras novas, porque resistir também é forjar uma linguagem à altura da dignidade, da verdade e da luta. A linguagem não é apenas uma ferramenta: é um campo de batalha. E nesse campo, cada palavra pode ser um ato de libertação.

Bibliografia crítica

* Ilan Pappé, A limpeza étnica da Palestina, Sundermann, 2016.

* Edward W. Said, A Questão da Palestina, Editora Ática, 1991.

* Joseph Massad, O Islã no Espelho do Ocidente, La Fabrique, 2019.

* Noura Erakat, Justice for Some: Law and the Question of Palestine, Stanford University Press, 2019.

* Ghassan Hage, Decolonial Thought and the Colonial Present, Polity Press, 2021.

Mohammed Hadjab, analista em relações internacionais e geopolítica

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Last Update: 04/07/2025