O artigo do Brasil 247 que defende uma “cúpula internacional urgente” para resolver a questão palestina não é apenas ingênuo. É uma piada de mau gosto em um planeta onde o imperialismo internacional financia o derramamento de sangue em Gaza e trata o direito internacional como papel higiênico. A ideia de que os mesmos países que financiam, armam e aplaudem o genocídio israelense seriam agora os salvadores da Palestina é propor que a raposa tome conta do galinheiro. A proposta é um delírio perigoso, uma cortina de fumaça para distrair da única verdade que importa: a Palestina não será livre por decreto de senhores coloniais, mas pela resistência do seu povo.

Quem seriam os “líderes internacionais” que supostamente mediarão essa cúpula? Os Estados Unidos, que enviaram bilhões em armas para Israel — incluindo bombas de 900 kg usadas para arrasar prédios residenciais em Gaza? A Alemanha, que além de presentear Israel com submarinos nucleares, criminaliza até os protestos pró-Palestina, chamando-os de “antissemitas”? O Reino Unido, que defende que Israel tem o “direito” de impor um bloqueio total a Gaza (cortando água, eletricidade e ajuda humanitária) e iniciar bombardeios que resultam em milhares de mortes civis? Ou a França, que por trás da defesa demagoga dessa proposta, continua a dar armas para perpetuar o genocídio?

Esses países não são mediadores. São cúmplices. São os arquitetos de um apartheid que trata a morte de idosos, mulheres, crianças e recém nascidos como “dano colateral”. Suas “conferências de paz” são reuniões de ladrões para discutir como dividir os espólios sem manchar as luvas.

Desde 1948, quando o imperialismo inventou Israel em terras palestinas, quantas “cúpulas”, “acordos” e “mapas do caminho” fracassaram? Oslo (1993) prometeu um Estado palestino em cinco anos. Três décadas depois, Israel triplicou seus assentamentos ilegais na Cisjordânia, transformando-a em um campo minado de checkpoints. A Iniciativa de Paz Árabe (2002), que oferecia reconhecimento a Israel em troca da retirada dos territórios ocupados, foi ignorada. A própria ONU, que em 1947 partilhou a Palestina sem consultar seus habitantes, já emitiu mais de 150 resoluções condenando Israel — todas sabotadas pelo veto dos EUA no Conselho de Segurança.

O que mudou? Nada. Enquanto Israel sabe que pode violar leis, massacrar civis e expandir colônias respaldado pelos senhores do mundo, qualquer “diálogo” é apenas um intervalo entre bombardeios. Em 2004, a Corte Internacional de Justiça ordenou que o Muro do Apartheid na Cisjordânia fosse derrubado. Vinte anos depois, o muro está mais alto, e os palestinos, mais enclausurados. Em 2024, a mesma Corte ordenou que Israel parasse o genocídio em Gaza. Resultado? Netanyahu riu, Biden enviou mais armas, e Gaza virou um cemitério a céu aberto.

As conferências internacionais são um espetáculo de hipocrisia. Líderes se abraçam para fotos, discursam sobre “direitos humanos” e depois assinam contratos de armas nos bastidores. Em 2021, a União Européia gastou € 43 milhões em projetos de cooperação com Israel, incluindo tecnologia de vigilância usada para oprimir palestinos. Em 2023, a Alemanha celebrou um acordo de € 3 bilhões para modernizar os tanques Merkava de Israel — os mesmos que esmagam casas em Khan Younis. Esses países não querem paz: querem Palestina morta, Israel forte e o petróleo do Mediterrâneo oriental sob controle.

Até a ideia de “criar um Estado palestino” em uma conferência internacional soa como um deboche. Como? Com Israel controlando 85% da água potável da Cisjordânia? Com Gaza em ruínas? Com Jerusalém Oriental anexada? O artigo do Brasil 247 parece ignorar que Israel jamais aceitará um Estado palestino independente. Enquanto isso, a Autoridade Palestina, corrupta e colaboracionista, serve como capacho da ocupação. Uma cúpula para “criar um Estado” como é proposto no texto do Brasil247 é como dar um band-aid a um paciente com as duas pernas decepadas.

Enquanto o artigo apela a governos genocidas, a verdadeira mudança vem das ruas. Estudantes nos EUA ocupam campus, portuários na África do Sul bloqueiam carregamentos para Israel. Em 2023, a empresa holandesa Vitens cancelou um contrato com a Mekorot (empresa israelense de água) após pressão popular. Em 2024, a Universidade do Minnesota cortou laços com a Raytheon, fabricante de mísseis.

Essa é a “cúpula” que importa: a dos povos que não se vendem. Enquanto isso, os governos imperialistas fazem o cálculo cínico: quantos palestinos podem morrer sem prejudicar a imagem de “defensores da democracia”? A resposta, até agora, é “todos”.

Há uma adoração perversa ao “diálogo” em círculos liberais, como se fossem os palestinos quem se recusam a “negociar”. Negociar o quê? Com quem? Israel não negocia — impõe. Enquanto palestinos são obrigados a debater a própria existência, colonos armados até os dentes roubam suas terras sob proteção militar. O processo de paz é uma mentira.

O artigo cai na armadilha de acreditar que a mesma estrutura que criou o apartheid pode desmontá-lo. Enquanto os EUA tiverem poder de veto na ONU, enquanto a Europa comprar gás israelense extraído ilegalmente do Mediterrâneo, e enquanto o complexo industrial-militar lucrar com cada bomba lançada em Gaza, conferências serão apenas rituais para limpar a imagem dos assassinos.

A libertação da Palestina não virá de salões luxuosos em Genebra ou Nova York, mas dos escombros de Gaza, das pedras arrancadas do muro do apartheid, dos foguetes artesanais do Al Qassam. Não será assinada por Macron ou Scholz, mas sim concretizada pelos próprios palestinos, que,  mesmo sob os escombros, desenham a bandeira palestina com os dedos ensanguentados.

Propor uma cúpula internacional hoje é pura hipocrisia. A verdadeira solidariedade exige mobilização dos povos em solidariedade à luta dos palestinos. E, acima de tudo, a recusa a qualquer ilusão de que os algozes um dia se tornarão justiceiros.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 04/05/2025