Cuidado, Lula! Naquele tempo é que era “bão”

por Armando Coelho Neto

Saudade, medo e fascismo. “Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim” (Sérgio Bitencourt) faz parte da letra de um rol de canções que a muitos sensibilizam. Na mesma linha, “Que saudades da professorinha, que me ensinou o bê-á-bá… Eu era feliz e não sabia” de Ataulfo Alves… É muita saudade e poesia, para um contexto cruel. Fiquemos por aqui.

As canções acima, entre outras, servem de fundo musical para filmetes disseminados nas redes sociais. Não raro, prenhe de imagens de comerciais antigos da empresa aérea Varig e ou lindos bichinhos da Parmalat. Fogões, geladeiras, utensílios domésticos antigos; telefones em orelhões com fichas, marcas antigas de biscoitos, sabonetes (Lux), pasta Kolynos, brilhantina Glostora, refrigerante Crush…

Música e imagens juntas constroem o universo bonito, que reportam corações sensíveis a tempos memoráveis. Logicamente, com os filtros de tudo o quanto a memória coa. Um cheiro de saudade no ar, mistura do vivido com o não vivido. Como assim? Saudade do que não se viveu? Sim! Já foi até título de livro, e, pasmem (!), até o polêmico jogador Neymar já tentou lacrar com essa expressão. Ora, pois!

Tais vídeos espalham-se rapidamente na internet, ativando os algoritmos dos satãs das redes. Traz-se ao debate tal questão, posto que em certos círculos, tais peças têm chegado com frequência de grupos conservadores ou de extrema-direita, ainda que saudade nada saiba sobre girondinos e jacobinos. De tão subjetiva, um ex-presidente sente saudade do torturador Brilhante Ustra, “Pavor de Dilma Roussef”.

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Saudade está na moda, e como o passado as pessoas pintam com as cores que bem entendem, saudade puxa saudade. Desse modo, ditadura era coisa boa; contar piada sobre gay, nordestino, negro, bater na mulher, dirigir embriagado aumentam a lista de saudades ao ponto de estar na moda a apologia a um Brasil que certamente muitos não viveram, mas acreditam ter existido. Um tempo que era bom!

Em novembro do ano passado, a revista Exame divulgou pesquisa da Ipsos Global Trend , realizada em 50 países com mais de 50 mil pessoas. Entre os dados revelados, está o medo do futuro. Sim, o medo do futuro estimula a saudade, é o que sugere a pesquisa, que não é necessariamente o foco dessa fala. Mas a junção de medo e saudade tem potencial explosivo, sobretudo em tempos de fake news.

São medos sem fim, somados às inseguranças inerentes a qualquer um, que se soma a outros medos fabricados, como o do Brasil virar Cuba ou Venezuela. Medo de ser taxado por um dinheiro que não se tem, medo de rico contaminando pobre, que passa a ter medo que o rico fique menos rico para não perder o emprego. Afinal, não é governo quem dá emprego, mas sim o rico discípulo de Marçal e Musk…

Do comunismo ao kit gay, do fechamento de igrejas ao medo de encontrar algum trans no banheiro, o fato é que “kit medo” pode derrubar o governo. Dai o alerta lá de cima: Cuidado, Lula! Naquele tempo é que era “bão”!. Até o respeitável jurista Kakay (Antônio Carlos de Almeida Castro) entrou na onda. Houve um tempo “bão” em que Lula recebia os amigos. É, a saudade está pegando todo mundo pelo pé.

Por meio de vídeos inocentes, o fascismo usa a saudade para vender o tempo bom que virá, contrariando a pesquisa da Ipsus. Vídeos que preparam corações sensíveis e desarmados para receber medos e boas novas, inclusive os produzidos pela “Brasil Para Lerdos” (mais conhecida por outro nome). Como lembrou o ministro do STF Alexandre de Moraes, “´primeiro te mandam gatinhos… depois…”

Pois é, quem diria que depois do fogão de lenha que o desavisado nunca teve, tendo como fundo musical a professorinha que ensinou o bê-á-bá, tempos depois viria o vídeo de outra professora (trans) ensinando sexo gay numa escola? Sim, e para ter credibilidade, esse tal vídeo tem filmagem aparentemente clandestina, imagens turvas, áudio precário, etc etc e tal. Saudade e medo juntos novamente!

A esquerda (“inteligente”) apanha de 7 x 1 da direita (“burra”) nas comunicações, não apenas por que não tem robôs. Mas também por não reconhecer que não há paridade de armas, num jogo com regras que o próprio inimigo criou. E assim, perde-se criticando o governo por um jogo que os críticos também não sabem jogar. Resultado: rejeição a um governo bom que não consegue provar que é bom.

Falta estofo a um pitaqueiro eventual desse GGN, para avançar em tema tão complexo. Mas falta também autocrítica aos críticos de Lula, e este de sua parte, não foi avisado de que naquele tempo é que era “bão”. Em tempo real, um tempo que em parte coincide com seus governos anteriores. Golpe não, sem anistia.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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Last Update: 24/02/2025