Faz alguns anos que foi incluído um requisito curioso na formação de estudantes de economia
da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG: cursar, pelo menos durante um semestre,
alguma disciplina ministrada pelo professor João Antonio de Paula. Todo aluno, seja da
graduação ou da pós, já ouviu em algum momento: “já fez matéria com o João Antonio? pega
logo porque daqui a pouco ele se aposenta!”. Apesar de a ameaça de aposentadoria pairar há
tempos, o risco é alto e ninguém com juízo quer pagar para ver – isto é, adiar em um semestre
a matrícula em sua disciplina, correndo o risco de nunca ser seu aluno e carregar um amargor
pelo resto da vida.

No primeiro momento, quando o homem barbudo de semblante sério e taciturno aparece, alguns
que não o conhecem ficam acanhados. Realmente, no contexto da sala de aula, João é um
homem reservado e suas aulas seguem um modelo tradicional: adentra o recinto acompanhado
de poucas palavras e se dirige diretamente ao quadro, em que de imediato começa a escrever o
conteúdo planejado para o dia; em seguida, inicia a exposição oral, que segue até o final. Nesse
decorrer, há sempre espaço para perguntas e intervenções dos alunos, a qualquer momento; o
professor parece não se importar muito em ser interrompido. A despeito do aparente ar formal
que preenche o ambiente, as aulas são marcadas por uma familiar leveza. O simpático
entardecer das sextas e a aconchegante preguiça pós-almoço não são ofuscados pelo sério
compromisso com o saber; pelo contrário, são companheiros em um gostoso mergulho, a
convite de João, por encantadores mares do conhecimento.

Com o passar do tempo, portanto, fica evidente que não há motivos para acanhamento, pelo
contrário, ouvir João – seja em sala de aula, em palestras, em suas intervenções em reuniões de
sindicatos e movimentos sociais de BH ou mesmo por meio de seus escritos (que são muitos) –
é uma experiência, antes de tudo, inspiradora. Não são raros os momentos em que a força de
suas palavras, incidindo diretamente sobre o coração, umedece os olhos de quem as ouve.
A esta altura, tenho certeza de que, para alguns (principalmente os que não conhecem o
professor), minha tentativa de expressar em palavras parte do lugar ocupado por João Antonio
na memória e na história de tanta gente talvez soe exagerada, ou até piegas (não nego que seja).
E eu entendo. É cada vez mais raro se encontrar verdadeiros mestres no meio acadêmico,
sobretudo na área de economia. Nosso homenageado faz parte de uma espécie de professor
universitário que parece estar em extinção: o intelectual (parafraseando o professor Léo de Deus
– outro precioso mestre: o último dos polímatas!).

O intelectual é um sujeito que teima em desobedecer às fronteiras das disciplinas, das
especializações e das universidades, que tem capacidade de elaborar questões e interpretações
originais, de caráter amplo e universal, sobre os problemas que tanto nos afetam, que tanto nos
angustiam. Não é de se espantar que uma universidade orgulhosa em se afogar nas engrenagens
esquizofrênicas da produtividade de artigos fast-food e na ânsia de se alçar posições nos infames
rankings acadêmicos se torne cada vez mais hostil ao florescimento de novos intelectuais (o
que importa agora é o placar no Google Scholar). O professor De Paula, por sua vez, é um
intelectual no sentido forte do termo: um intelectual insubmisso. Recusa-se a baixar a cabeça
para os desmandos e injustiças deste mundo, insistindo em evocar a atualidade de duas ideias
tão démodé, que pegam tão mal entre os economistas: revolução e comunismo.
João Antonio, sem dúvida, se tornou um grande homem (inclinações bairristas me impeliriam
a classificá-lo como patrimônio belorizontino ou até brasileiro; porém, na boa tradição daqueles
que sabem que a verdade não respeita fronteiras, sou obrigado a reconhecê-lo como patrimônio
da humanidade), contudo, na contramão do que certa viseira de mesquinhez possa sugerir,
suspeito que tal grandeza nada tenha a ver com o denso recheio de seu Lattes – isso teria pouca
ou nenhuma importância. Minha hipótese é a de que a potência de seu nome e de sua presença
adviriam, antes, do genuíno carinho que manifesta – frequentemente de forma sutil – por alunos,
leitores e companheiros de militância, inseparável do próprio conteúdo de suas aulas, palestras
e livros; inseparável de seu desejo obsessivo pela libertação dos sonhos de toda gente.

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Last Update: 17/06/2025