
Vi apenas um pedaço da oitiva do miliciano genocida. E bastou. Não por distração, tampouco por falta de interesse, mas por respeito aos meus “instintos mais primitivos”. Há cenas que, assistidas por tempo demais, comprometem não só o fígado cívico, mas também a flora intestinal da dignidade.
Sofro, e não escondo, de uma dupla fragilidade pessoal que muito me limita como espectador do grotesco. A primeira, fisiológica: meu estômago não tolera vermes, sobretudo os rastejantes — essa subcategoria biológica que transita entre a baixeza e o cinismo com espantosa desenvoltura, como é o caso do meliante em “cuestão”. A segunda, moral: nutro amplo, geral e irrestrito desprezo por cagões. E não me refiro aqui à frágil condição humana diante do medo legítimo, mas à covardia como método — esse hábito vil de esconder-se atrás de bravatas e fanfarronices, de posar de herói no meio da brodagem enquanto, na vida real, se é apenas um frouxo.
Do pouco que assisti, bastou-me a cena do bravo valentão da 5ª série — outrora herói de cercadinhos patrióticos — agora entupido de calmantes, suando mais do que estagiário em entrevista de emprego. Senti pena, sim, mas não dele. Pena de um Brasil que, depois de tudo, ainda oferece crédito moral a um peidorrento dessa magnitude. Um país que tolera esse tipo de bravateiro de fralda emocional precisa urgentemente de um Bolsa-Sanidade.
A performance foi exemplar. No pior sentido possível, é claro. O valentão, aquele que prometia resistir à bala e desobedecer a qualquer ordem do STF, portou-se como todo fascista: covarde, mentiroso e, acima de tudo, cagão. Muito cagão. Não há aqui insulto gratuito, mas diagnóstico político. A coragem dos fascistas é sempre performática; a verdade, um risco a ser evitado; a retórica, uma cortina de fumaça produzida, em geral, pelos mesmos gases que propulsionam suas convicções intestinais.
E, ainda que breve tenha sido meu tempo diante da tela, vi o suficiente. Suficiente para constatar que o golpista, especialista em montar sua própria forca, lançou-se do precipício com a corda cuidadosamente enrolada no pescoço. Sua capacidade de autoincriminação foi exuberante, para dizer o mínimo. A mesma toada foi seguida pelos outros três milicos militares e pelo milico civil, todos tão peidorrentos quanto. Cada um deles teve, como exige o devido processo legal, a chance de se defender. Poderiam, com alguma inteligência, um pouco de pudor e respeito à inteligência alheia (e do juiz), gabaritar o tal standard probatório que os advogados tanto gostam de invocar. Preferiram mentir. Escolheram continuar arrastando uma mentira viscosa e venusiviana, cheia de fantasias exo-esotéricas, coisa de alucino-siderado. A recompensa por tanto empenho virá na forma de uma condenação robusta. E merecida. Pelo grotesco espetáculo que protagonizaram, não há como escaparem das penas máximas.

Do ponto de vista estético, foi um dia horroroso para a humanidade. Um desfile de olhos vermelhamente cocainados, orelhas baixas, olhares bovinos, bocas pergoteadas, vozes fracas e trêmulas por excesso de calmantes — típico de quem sempre esbravejou nos bastidores, mas, diante do juiz, se borra como colegial flagrado colando na prova. Curiosamente, porém, para a democracia, foi um dia glorioso. Não pelas respostas — que não foram dadas —, mas porque o próprio teatro-zumbi, por mais grotesco, escancarou a verdade como só o ridículo é capaz de fazer.
Há quem diga que o riso é uma forma de resistência. Neste caso, o riso veio acompanhado do asco. Rimos porque não queremos vomitar. Mas não há como não rir, com ironia e desprezo, de quem passou a vida vociferando força e honra para, no momento crucial, se mostrar um rato tremelicante à beira do ralo.
O Brasil, nosso querido país de memória curta e estômago de avestruz, talvez se esqueça logo do que viu. Mas seria interessante registrar, em letras miúdas — ainda que aqui, nesse desprezível Facebook — que, naquele dia, cinco peidorrentos sentaram-se diante da nação e confirmaram, com a própria boca, aquilo que os intestinos do poder já sabiam: não há coragem possível em quem vive da mentira. E não há redenção para quem faz da covardia seu suporte existencial.
Sim, foi um dia de glória. E o fedor que ficou no ar é apenas o perfume tardio da justiça que se anuncia.