Na última terça-feira, 16 de junho, o portal Esquerda Online reproduziu um artigo intitulado A esquerda boliviana dividida corre perigo de perder o poder, publicado originalmente pelo sítio Jacobin America Latina e assinado pelo jornalista Pablo Castaña. O artigo se presta a um papel de culpar o maior líder popular boliviano, Evo Morales, pela atual crise política no país, o que serve apenas para omitir o papel do imperialismo nesse cenário. Vejamos os argumentos:
“Um golpe de estado desajeitado e efêmero no mês passado não conseguiu devolver o poder às desacreditadas forças conservadoras da Bolívia. Mas a divisão entre Luis Arce e Evo Morales poderia dar a essas forças uma oportunidade. […]
“Praticamente todos os governos latino-americanos – inclusive o de extrema-direita de Javier Milei na Argentina – condenaram a insurreição militar. A Organização dos Estados Americanos (OEA), que em 2019 favoreceu o levante contra Morales ao fazer acusações não comprovadas de fraude eleitoral contra o então presidente, também desta vez ficou do lado da democracia boliviana. A Casa Branca pediu ‘calma e moderação’ diante da tentativa de Zúñiga. Diferente de muitos outros golpes de Estado na América Latina, até agora não existem indícios do envolvimento dos Estados Unidos.”
Para o Esquerda Online, assim como para o Jacobin America Latina, quando um general se levanta contra um governo de esquerda na região, seria necessário haver indícios da participação dos EUA para estabelecer o fato. Por si, essa avaliação já demonstra a incompreensão total do cenário latino-americano e mundial por parte de ambos os órgãos. Toda desestabilização nos países atrasados, sem exceção, é fruto da interferência do imperialismo, e algo tão impactante como um movimento de forças armadas contra um governo de esquerda não está de fora, mas necessariamente sob este escopo. Vamos agora a outro ponto fundamental, após um trecho um pouco longo:
“As hostilidade [sic] entre ambos os líderes começaram quando Arce expressou sua intenção de se apresentar à reeleição em 2025. Desde então, a rivalidade tem escalado até se converter em uma [sic] enfrentamento total, com os parlamentares do MAS divididos entre ambos. O conflito é tão grave que ambas as partes se acusam mutuamente de vínculos com o narcotráfico. Alguns seguidores de Morales inclusive tem difundido a teoria de que o golpe militar dia 26 de junho foi, na verdade, um ‘autogolpe’ orquestrado por Arce para aumentar sua popularidade, o rumor iniciado pelo próprio Zúñiga e que a oposição conservadora fez.
“Um elemento central da atual crise política é a insistência de Morales em se apresentar de novo às eleições presidenciais. A Constituição política de 2009 estabeleceu um limite de dois mandatos consecutivos de cinco anos. Um referendo foi realizado em 2016 para alterar a Constituição e remover o limite, mas a campanha do ‘não’ ganhou por uma margem estreita. Uma decisão do Tribunal Constitucional permitiu ao então presidente se apresentar [à reeleição] de qualquer forma em 2019, mas sua vitória eleitoral foi barrada pelo golpe militar.
“Em 2023, outra decisão judicial restabeleceu a proibição da reeleição, acrescentando uma proibição de reeleição para mandatos não consecutivos, que não está na Constituição. Morales denunciou que se tratava de uma decisão politicamente motivada de um tribunal sob influência de Arce, sem renunciar a sua intenção de voltar a se apresentar nas eleições de 2025.”
Ora, “a insistência de Morales em se apresentar de novo às eleições presidenciais“, para o articulista, seria o problema chave na situação. Não por coincidência, essa é a mesma opinião do imperialismo, que deu um golpe militar na Bolívia em 2019 para impedir Morales de retornar à presidência. Evo Morales é a liderança ligada de fato aos trabalhadores bolivianos, oriunda de um movimento de massas real, contra a política neoliberal de rapina da Bolívia. Arce, nesse sentido, é no máximo um representante de Morales, sem o qual não é ninguém. Se Arce pretende substituir Morales, claro está que o problema não é Morales. Se Fernando Haddad buscasse substituir Lula, quem veria tal movimento como legítimo? O imperialismo e seus seguidores, ou os enganados por ele, naturalmente. A matéria caracteriza o problema como o caos, a desorganização, e não uma capitulação frente ao golpismo contra Morales.
“A única certeza é que a era de crescimento econômico e de progresso social que seguiu a eleição de Evo Morales em 2005 como primeiro presidente indígena da Bolívia chegou a seu fim. O país andino, um dos mais pobres da América do Sul, parece estar condenado ao longo período de instabilidade política e fragilidade econômica, o que poderia obrigar ao próximo governo, independentemente de sua orientação política, a implementar cortes orçamentários.”
A capitulação diante da política da burguesia aqui fica evidente. Independentemente de orientação política, pode ser necessário “implementar cortes orçamentários” em função do desempenho da economia. Ora, mas isso é um alinhamento tácito, aberto, com o capital financeiro, é a mesma política, colocar que cortes orçamentários seriam uma necessidade, uma “medida técnica”.
Na realidade, é justamente o contrário. É uma medida puramente política, para incrementar a exploração sobre os trabalhadores, em nome do capital. Que um artigo coloque isso, ao mesmo tempo em que aponta a candidatura de Morales como problema, é demonstração clara do seguinte: Evo Morales não deve abrir mão de sua candidatura em nenhuma hipótese, a oposição a ele vem diretamente da burguesia, seja por seus braços à direita, seja por seus braços à esquerda. O ex-presidente e maior líder nacional deve garantir seu retorno ao poder não contando com a via institucional, mas com a mobilização de sua base de apoio contra a oposição para garanti-lo.