O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por crimes contra a democracia e tentativa de golpe de Estado. Trata-se de uma peça jurídica consistente, baseada não apenas em uma delação premiada, mas em um conjunto robusto de provas — documentos apreendidos, quebras de sigilo bancário, fiscal e telemático dos acusados — e diversos depoimentos contundentes. Tanto na esfera judicial quanto na disputa política, será difícil para o bolsonarismo sustentar a tese de que a denúncia é mera narrativa.

No campo jurídico, o mais provável é que Bolsonaro seja condenado e preso ainda em 2025. Politicamente, porém, ele ainda tem chances de permanecer em evidência.

Primeiro, porque segue como a principal liderança da extrema-direita no país, com uma base fiel que não apenas acredita que ele é alvo de perseguição do “sistema”, mas também compra a tese de que esse mesmo “sistema” fraudou as eleições de 2022 para favorecer Lula. Bolsonaro demonstrou sua força ao mobilizar essa base nas eleições municipais de 2024, impulsionando centenas de candidatos a prefeito e vereador — a maioria com votações expressivas.

O desafio do ex-presidente será manter essa base com ele até 2026, quando terá que passar o bastão a outro candidato. Para garantir isso, ele insiste na narrativa de que será o postulante, desestimulando a construção de alternativas dentro do seu próprio campo político. Essa estratégia trava nomes da extrema-direita que poderiam emergir como candidatos viáveis, como os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná).

Para Lula, a denúncia contra Bolsonaro representa um respiro num momento difícil

Entre eles, Tarcísio seria o nome mais forte, caso houvesse consenso. Um candidato único desde já fortaleceria a oposição à Lula. Mas, como Bolsonaro não aceita sair de cena, essas lideranças recuam — algumas de forma mais enfática, outras mais discretamente. O temor de virar alvo do ecossistema bolsonarista e ser tachado de traidor mantém a maioria na retranca. Tarcísio, por exemplo, já declarou publicamente que Bolsonaro deve ser o nome da extrema-direita em 2026. Outros preferem se restringir à política estadual.

Nesse vácuo, apenas outsiders ousam desafiar Bolsonaro — como o coach Pablo Marçal e o cantor Gusttavo Lima. Ambos têm trunfos fora da política tradicional, seja nas plataformas digitais, seja na música. E, sobretudo, nada a perder eleitoralmente, já que não ocupam cargos públicos.

No entanto, a insistência de Bolsonaro em se manter como figura central tem um efeito colateral: desorganiza seu próprio campo. Em vez de se mobilizar contra o governo Lula, a extrema-direita se fragmenta, tanto na escolha de um candidato quanto na resposta à denúncia contra o ex-presidente. Os atos convocados para março não terão força suficiente para reverter sua situação jurídica, mas serão grandes o bastante para reafirmá-lo como líder incontestável da extrema-direita e ditar a linha política de seu campo.

Para Lula, a denúncia contra Bolsonaro representa um respiro num momento difícil. Sua baixa aprovação, captada pelo Datafolha, havia animado o bolsonarismo, que preparava uma ofensiva tanto nas redes sociais quanto no Congresso. Agora, a estratégia de mobilização digital se tornou defensiva, e a proposta de anistia no Legislativo morreu diante da robustez do processo da PGR.

Além disso, os partidos de direita que integram o governo mudaram de postura. Se antes cogitavam desembarcar, agora não há para onde ir — diante da desordem no bolsonarismo, optam por aumentar sua participação no governo.

Em suma, Lula ganha tempo para seguir com a reorganização política e a reformulação da comunicação do governo. Mas isso não pode se limitar a uma reforma ministerial e a um discurso mais eficaz do presidente. Será fundamental mobilizar as bases políticas e sociais da esquerda, preparando o terreno para 2026.

Os Estados Unidos já mostraram que bons indicadores econômicos não bastam para derrotar a extrema-direita nas urnas. Trump, por exemplo, foi condenado pela Justiça e, mesmo assim, segue competitivo para as eleições presidenciais. No caso de Bolsonaro, a situação é mais grave: tudo indica que será condenado e preso pelo STF. Ainda assim, subestimar a capacidade da extrema-direita de se mobilizar, mesmo sem sua principal liderança, seria um erro estratégico.

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Last Update: 19/02/2025