Portugal mergulhou em mais uma crise política no início de março de 2025, com a queda do governo de centro-direita liderado pelo primeiro-ministro Luís Montenegro. O voto de desconfiança apresentado pelos socialistas (PS) e apoiado pela extrema direita (Chega) precipitou a demissão do executivo e abriu caminho para novas eleições legislativas, marcadas para 18 de maio.
A decisão do presidente Marcelo Rebelo de Sousa de dissolver o parlamento ocorre em meio a acusações de conflito de interesses envolvendo negócios familiares de Montenegro, que culminaram em um cenário de instabilidade governamental.
Montenegro, que assumiu o cargo em novembro de 2023 após a renúncia de António Costa, viu sua legitimidade ruir rapidamente. Apesar de negar irregularidades, as denúncias sobre contratos de empresas ligadas à sua família com entidades públicas minaram sua base de apoio no parlamento. Pedro Nuno Santos, líder do PS, acusou Montenegro de “renúncia covarde” ao convocar a votação para evitar uma investigação parlamentar. “A crise tem origem no primeiro-ministro”, afirmou, destacando a demanda por transparência.
A queda do governo Montenegro e a convocação de novas eleições marcam o início de um novo capítulo na política portuguesa. Com a esquerda buscando resgatar a fórmula da “Geringonça” e a extrema direita enfrentando desafios para manter sua ascensão, o país se prepara para um debate eleitoral acirrado.
Analistas alertam que, sem maioria clara, o próximo governo poderá repetir a instabilidade crônica. Portugal está preso em ciclos de eleições prematuras, já que esta é a terceira dissolução parlamentar desde 2022.
O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, oficializou a dissolução do Parlamento após consultar partidos, reforçando que a crise “nasceu no executivo”. Sua decisão mantém o governo em gestão corrente, sem poder decisório até as eleições. Sousa, conhecido por intervenções críticas em momentos de turbulência, evitou apontar preferências, mas pressionou Montenegro a assumir responsabilidades.
Chega: ascensão fragilizada e riscos eleitorais
A extrema direita portuguesa, representada pelo Chega de André Ventura, pode enfrentar um revés significativo nas próximas eleições. Após ter se consolidado como a terceira maior força política nas eleições de 2024, com 50 assentos e 18% dos votos, o partido registrou uma queda acentuada nas intenções de voto, passando de 17,4% para 13,5%, segundo sondagens recentes.
As crises internas e o desgaste causado por disputas dentro do partido colocam em dúvida a capacidade do Chega de manter seu eleitorado. Embora Ventura tenha afirmado que a culpa pela convocação das eleições recai sobre Montenegro, analistas avaliam que o partido precisa superar suas próprias fragilidades para evitar uma perda ainda maior de espaço no parlamento.
Esquerda fragmentada busca unidade na geringonça
Os partidos à esquerda do espectro político, que perderam relevância nas últimas eleições, enfrentam um momento crucial. O Bloco de Esquerda (BE) e o PCP (Partido Comunista), que integraram a histórica “Geringonça” entre 2015 e 2019, tentam recuperar espaço em um cenário de polarização crescente.
Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, destacou a necessidade de unidade e mobilização popular para enfrentar as eleições de maio. Segundo ele, “é nas propostas concretas e no compromisso com os trabalhadores e populações que reside a força da CDU”, a Coligação Democrática Unitária, uma coligação eleitoral e política entre o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”.
Já o BE, embora em ascensão modesta, enfrenta o dilema de aliar-se ao PS ou manter independência. O Bloco registrou um leve aumento nas intenções de voto, passando de 1,5% para 2,9%. No entanto, sem uma coalizão ampla, as chances de influenciar o próximo governo parecem limitadas. A possibilidade de uma nova “Geringonça” depende de uma articulação estratégica que ainda não está clara, pois replicar o modelo exigiria concessões complexas
Sondagens indicam incerteza e fragmentação política
As eleições de maio colocam Portugal em encruzilhada: entre a tentação populista do Chega, a busca por estabilidade pelo PS e a resistência de um PSD fragilizado. A queda de Montenegro expôs fissuras éticas no centro-direita, enquanto a esquerda tenta se reposicionar como alternativa credível.
As pesquisas de opinião realizadas antes e após a queda do governo revelam um cenário de incerteza. Nem o PSD nem o PS conseguem demonstrar uma vantagem clara, e a dispersão de votos entre partidos menores torna improvável que qualquer força política alcance maioria absoluta.
A primeira sondagem, realizada antes das denúncias contra Montenegro, mostrava o PSD liderando com 32% das intenções de voto, seguido pelo PS com 29%. Já a segunda pesquisa, feita após a crise, indicou uma ligeira redução na diferença entre os dois principais partidos, com o PS subindo para 31% e o PSD caindo para 30%.
Essa fragmentação reflete a insatisfação popular com os atuais modelos de governança. Para muitos eleitores, a prioridade é escolher um governo estável e capaz de resolver problemas estruturais, como habitação, saúde e educação.
Independentemente do resultado, fica claro que Portugal precisa superar a instabilidade institucional e construir uma agenda de governabilidade que dialogue com as demandas da população. Como destacou Pedro Nuno Santos, “temos de escolher um governo duradouro, com condições para não estar a prazo”.