Maior autoridade climática do Brasil, o cientista Carlos Nobre anda preocupado com a onda negacionista movida, sobretudo, pela eleição de Donald Trump para um segundo mandato nos Estados Unidos. Um possível aumento da exploração de petróleo, gás e xisto, entre outros, afirma, provocará um ecocídio. Cerca de 80% das emissões de gás carbônico, lembra, vêm dos combustíveis fósseis. Diante dos riscos e dos eventos extremos crescentes, Nobre enxerga na COP–30, a ser sediada pelo Brasil no próximo ano, um momento crucial. E acredita no papel de liderança do País na transição ecológica, dado o potencial de energias eólica e solar. Quanto ao futuro, o cientista deposita as esperanças na consciência ecológica das novas gerações e afirma: “Preciso, quero e sou otimista”.
CartaCapital: Para boa parte da comunidade científica, a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5 grau Celsius até 2030 não é mais factível. A preocupação da humanidade, agora, é se preparar para o que vem por aí?
Carlos Nobre: Desde junho de 2023, a temperatura global está 1,5 grau mais quente do que no início do aquecimento global, entre 1850 e 1900. Se continuar nesse patamar em 2025, em três anos, certamente a ciência vai bater o martelo de que atingimos esse limite antes de 2030. O Acordo de Paris, firmado em 2015, traçou planos para não deixar a temperatura ultrapassar essa marca. Isso implicaria reduzir as emissões, em relação a 2019, no mínimo em 43% até 2030 e depois zerar as emissões líquidas até 2050. Se atingirmos 1,5 grau em 2025 e 2026, teremos de ser muito mais ambiciosos.
Neste ano, “foram batidos todos os recordes de eventos extremos”
CC: A realidade climática exigirá um nível de adaptação que a maioria dos países não tem…
CN: Sem dúvida. Em 2024, foram batidos todos os recordes de eventos extremos. A ciência alertava há décadas que, quando a temperatura atingisse esse valor de 1,5 grau ou mais, aconteceriam muito mais eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, incêndios florestais e chuvas excessivas. Matematicamente, o aumento é exponencial. Às vezes, o sujeito nem percebe a relação de um evento com o aquecimento global. Em 2024, houve uma explosão das turbulências que pegam os aviões, e isso acontece porque tem muito mais energia na atmosfera.
CC: Em 2024, as emissões voltaram a crescer. Com a vitória de Trump, a indústria de óleo e gás tende a ganhar novo impulso. Nesse ritmo, os líderes mundiais estão conduzindo a humanidade para um caminho sem volta?
CN: Se chegarmos em 2050 com 2,5 graus Celsius de aquecimento global, atingiremos um grande número de pontos de não retorno. A eleição de líderes negacionistas torna a situação muito grave.
“A COP–30, no Brasil, será a mais importante da história”
CC: O que é mais urgente realizar em termos de transição energética no Brasil?
CN: Em 2022, menos de 20% das emissões foi derivada da queima de combustíveis fósseis. O País tem todas as condições de ser o primeiro a fazer a transição por ter um gigantesco potencial de energias solar e eólica.
CC: É também uma questão urbana…
CN: No mundo inteiro, a poluição urbana é um grande problema para a saúde humana e causa entre 6 e 7 milhões de mortes por ano, derivadas principalmente da queima de combustíveis fósseis. Nas cidades brasileiras, o maior fator de poluição é a queima do diesel por ônibus e caminhões.
CC: Existem caminhos para financiar a transição energética por fora das atuais estruturas de governança?
CN: Esse é o grande desafio político. Países financiaram a Ucrânia na guerra com quase 2 trilhões de dólares em dois anos. O quanto aplicam na redução das emissões, nos projetos de restauração dos biomas florestais?
CC: O senhor se define hoje como pessimista ou otimista diante do futuro?
CN: Um pouco de cada. Há 35 anos publiquei os primeiros artigos mostrando que o desmatamento levaria a Amazônia a um ponto de não retorno e, naquela época, a floresta estava somente 7% desmatada. Tornei-me mais pessimista porque liderei inúmeros estudos mostrando que a Amazônia estava à beira do ponto de não retorno. Mas, nos últimos anos, falei: não, precisamos buscar alternativas. Nesse sentido, além de continuar minhas pesquisas, criei um projeto chamado Amazônia 4.0 para desenvolver o que a gente chama de sociobioeconomia de floresta em pé e com os rios fluindo, para agregar valor aos produtos da biodiversidade e não desmatar mais nada. Eu sou do Conselho de Administração do BNDES, para o qual levei a ideia do Arco da Restauração. Trabalho na busca de soluções e preciso, quero e sou otimista porque vejo que em todo o mundo os jovens estão muito preocupados e as novas gerações não aceitarão mais o que a minha geração fez, que foi terrível.