Por Mateus Mello

O aumento da pena para crimes cometidos contra mulheres com o uso de inteligência artificial, previsto em lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é um avanço no sentido de tentar coibir violências que se intensificam com a tecnologia. A falta de regulação das redes sociais e o despreparo do Judiciário para lidar com provas digitais, no entanto, devem dificultar a aplicação da norma.

Essa é a percepção de especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, que ainda citam que a lei sancionada, por si, não basta para proteger mulheres no ambiente digital.

A nova norma foi publicada no Diário Oficial no último dia 24. A regra alterou o artigo 147-B do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) para aumentar a pena do crime de violência psicológica contra mulheres quando houver o uso de IA ou outras tecnologias que alterem imagens e sons. A ideia é combater, principalmente, os chamados deepfakes — técnica utilizada para criar vídeos ou imagens falsas com alta verossimilhança.

Adaptação do Direito

Pedro Porto, advogado criminalista e sócio do Carneiros Advogados, enxerga a nova lei como uma “importante adaptação do Direito Penal aos crimes emergentes e à sofisticação das formas de violência psicológica de gênero no ambiente digital”.

Além disso, ressalta que o dispositivo vai ao encontro de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994.

Ele diz que a falta de regulamentação das plataformas digitais pode dificultar a aplicação da norma, mas acredita que o que realmente ameaça a eficácia da lei é um eventual despreparo do Judiciário.

“O maior desafio reside na capacitação dos órgãos de investigação e acusação para lidar com provas digitais — para preservar a cadeia de custódia e entender tecnicamente como são produzidas as deepfakes”, argumenta.

A advogada criminalista do RCA Advogados Mariana Félix tem entendimento semelhante. Contudo, embora também valorize o que considera um esforço de adaptação do Direito, ela destaca que a segurança das mulheres só será alcançada com uma série de outras medidas.

“A criminalização, por si só, não basta. A efetividade da proteção às mulheres no ambiente digital exige políticas públicas que promovam educação midiática, ofereçam suporte psicológico às vítimas e fortaleçam a estrutura pericial do Estado”, afirma.

Já a advogada criminalista e professora de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Estadual de Londrina (UEL), Mariani Bortolotti Fiumari, acha que a lei foi o caminho mais “rápido e fácil” de reagir ao aumento de casos desse tipo. No entanto, ela também observa que a criminalização não é a maneira mais adequada de impedir práticas indesejadas.

“Sabemos que, além de não dissuadir práticas delitivas, cria problemas reais para o Estado, principalmente de ordem investigativa e probatória: dificuldade na identificação dos autores, já que o ambiente digital ainda é um facilitador do anonimato; e, especialmente, dificuldade na identificação da manipulação da imagem, vídeo ou som por IA, que certamente exigirá prova pericial complexa”, ponderou.

Populismo penal

O criminalista Alberto Zacharias Toron, por outro lado, critica a aprovação da lei e cita que há outras formas de coibir crimes além do endurecimento das penas. Para ele, a nova lei é mais um capítulo do populismo penal.

“Além de já termos um dispositivo sobre a matéria, o aumento de penas por si só não resolve o problema. Medidas educativas e preventivas funcionam melhor. Quando todos pensam em medidas alternativas às penas, nós vamos na contramão para aumentá-las. Parece que o modelo adotado é o do mero simbolismo do Direito Penal, mas sem efetividade”, declarou.

A criminalista Raquel Mesquita ressalta que o surgimento de novos crimes e penas, “de acordo com o tema da vez”, não costuma produzir o efeito desejado, ainda que agrade parte da sociedade.

“A pena tem uma finalidade que não é atingida quando passamos a analisar dados do Atlas da Violência ou da pesquisa ‘Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil’, esta última informando que, mesmo diante de tantas punições aprovadas nos últimos anos, a violência contra a mulher não para de crescer”, observou.

Mariana Félix Mesquita, também criminalista, defende o combate aos crimes contra as mulheres por meio da adoção de um conjunto robusto de medidas: “O Estado deveria, principalmente, envolver toda a sociedade neste meio: escolas com debates constantes; empresas com diminuição de tributos para aqueles que promovessem cursos e treinamentos no combate à misoginia e assim por diante.”

Para a doutoranda na Universidade de Salamanca e mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Jenifer Moraes, a lei sancionada adiciona uma camada extra de problemas ao artigo 147-B do Código Penal.

“Ele já é um dispositivo com falhas graves de construção. Utilizaram uma gama diversa de comportamentos, o que causa dubiedade interpretativa na prática. Do ponto de vista dogmático, nós que precisávamos fazer uma restrição na interpretação. Agora, todos esses problemas que já enfrentávamos foram aumentados”, disse.

Leia também:

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 10/05/2025