A intensificação do bloqueio em Gaza agrava a crise humanitária, deixando milhares sem alimentos e água, enquanto crianças lutam pela sobrevivência
Enquanto aguardava por comida em um ponto de distribuição no norte de Gaza, Ismail Abu Odeh, de seis anos, implorava: “Me dá um pouco”. Mas ao voltar para o abrigo onde vive com a família, sua tigela de lentilhas caiu no chão. No dia seguinte, sem novas entregas de alimentos ou água no campo de deslocados onde estão abrigados, o menino chorou novamente de fome.
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A BBC conversou com moradores de Gaza nos últimos dois dias, enquanto Israel intensifica sua ofensiva militar e mantém um bloqueio que já dura mais de 10 semanas, restringindo o acesso a alimentos, remédios e outros suprimentos básicos. Organizações internacionais alertam que o território está à beira de uma crise de fome generalizada.
O governo israelense afirma que “não há escassez” de alimentos em Gaza e acusa o Hamas de desviar ajuda humanitária. Autoridades israelenses também defendem que a restrição de suprimentos é uma forma de pressionar o grupo militante a libertar os reféns ainda mantidos em Gaza – estima-se que até 23 dos 58 sequestrados estejam vivos.
Fome e criatividade para sobreviver
Com o fechamento de cozinhas comunitárias e a escassez nos mercados, os gazenses enfrentam dificuldades para conseguir até uma refeição por dia. Os poucos alimentos disponíveis estão com preços exorbitantes, segundo relatos.
Adham al-Batrawi, de 31 anos, deslocado no centro de Gaza, contou à BBC que as pessoas estão sendo “criativas só para sobreviver”. Ele descreveu como amassa macarrão cozido em excesso para imitar pão, um alimento básico na dieta palestina. “Inventamos maneiras de cozinhar que nunca imaginamos que precisaríamos”, disse.
Uma jovem de 23 anos, também no norte de Gaza, relatou sentir “tontura constante” e fraqueza devido à falta de comida e remédios.
Crianças sob bombardeios e hospitais em colapso
Rewaa Mohsen, enfermeira em Deir al-Balah, luta para sustentar suas duas filhas pequenas. Em mensagens pelo WhatsApp, ela contou que estocou fraldas durante o cessar-fogo, mas que os suprimentos devem acabar em um mês. Suas filhas, de três e 19 meses, já se acostumaram com o som dos bombardeios. “Às vezes, sinto mais medo do que elas”, admitiu.
Nos hospitais, a situação é crítica. Randa Saied, enfermeira no Hospital Europeu de Khan Younis, descreveu o momento em que o local foi atingido por um ataque israelense como “puro terror”. A estrutura, agora inoperante, teve pacientes e funcionários transferidos para o Hospital Nasser, que também enfrenta falta de medicamentos e equipamentos.
Israel alega que o Hamas usa hospitais como bases, acusação negada pelo grupo. Enquanto isso, os EUA preparam um novo sistema de ajuda humanitária, com proteção militar israelense – plano criticado pela ONU, que o vê como uma forma de “transformar a ajuda em arma”.
De volta ao abrigo onde Ismail e sua família tentam sobreviver, o pai do menino desabafa: “Meus filhos vão dormir com fome. Às vezes, eu fico sentado chorando como uma criança se não consigo dar comida para eles.”