A nossa coluna costuma abordar temas de tecnologia, mas esta semana, permita-nos falar sobre o buraco para entrega de comida em portarias de condomínios de São Paulo.

Quem tem algum dinheiro nesta cidade, da classe média aos multimilionários, vive aprisionado. Este colunista escapou por pouco dessa tragédia e ainda mora num prédio antigo, dos anos 1960. Quem anda pelas ruas da metrópole se vê apertado entre ruas esburacadas e grades ou muros altos, em sua maioria decorados com arame farpado ou cercas elétricas e muitas câmeras. Algumas dessas grades possuem um desenho curioso, um buraco retangular, no formato de um prato italiano, o prato preferido dos paulistanos.

Sim, os moradores de condomínio não confiam sequer no entregador que lhes traz o jantar. Para não fazer um buraco muito grande na grade, que desse margem para a entrada de um perigoso bandido, temos o buraco para entrega de comida. Uma solução racional, que atende o caso mais comum, para uma cidade completamente irracional. A cena da entrega, se não fosse pela máquina de cartão de crédito e pelo processo de pagamento, se assemelharia a um policial, que numa cela solitária, passa a refeição ao detento por uma portinhola.

Com receio de cairmos em generalizações perigosas, São Paulo é única em sua desigualdade social. Tivemos a oportunidade de morar em outro país, a trabalho. No caso, em Helsinque, na Finlândia, onde vivemos por quatro anos. Passamos por algumas outras metrópoles, inclusive nossa vizinha Buenos Aires, onde aconteceu ontem a final da Copa Libertadores. A diferença é gritante, a começar pelas calçadas amplas; portas de edifícios que dão direto para a rua; cafés, padarias e pequenos negócios em abundância; acima de tudo, uma ausência de grades e muros.

Os bairros pobres de Paris, Helsinque e Buenos Aires há, pasmem, pobreza em diferentes graus. Ainda assim, há uma infraestrutura mínima, diferentemente de regiões de São Paulo como o Jardim Lucélia, na Zona Sul, onde há ruas ainda sem asfalto e saneamento básico não é garantia. Mas o centro dessas cidades encontra-se muito bem preservado, memória de um tempo anterior ao neoliberalismo, quando representavam um crescimento econômico acelerado.

Nos bairros ricos de São Paulo, no quilometro quadrado mais valorizado da cidade, ao redor do Parque Ibirapuera, não há boas ofertas de transporte público. Não fosse pela recém-criada linha Lilás do metrô, chegar ao parque, hoje em grande medida privatizado, seria muito complicado. Isso, porém, não surpreende. O que surpreende é o estado das ruas, totalmente esburacadas. As calçadas, graças à legislação da capital, são responsabilidade dos proprietários de cada lote e, portanto, são inconsistentes para o pedestre.

Esta cidade é única no fato de que nem mesmo os multimilionários colocam seus funcionários na política para serví-los. O morador da Vila Nova Conceição fica sem luz. O de Moema, enfrenta enchentes. Ambos correm o risco de uma árvore cair sobre seus carros de luxo. Em que metrópole do mundo o morador de um prédio cujo apartamento está avaliado em dezenas de milhões de reais, sai de carro numa rua esburacada sob risco de enfrentar um algamento?

É comum o uso da palavra elite para descrever essa escória que controla a economia nacional. Somos forçados a recorrer às aspas. Criaram uma cidade em que simplesmente ninguém vive bem, uma cidade que, em determinados locais, parece que foi bombardeada, em outros, nem parece uma cidade, dado o grau de precariedade das condições.

Nem os aristocratas vivem bem, se é que vivem aqui de fato. Talvez seja essa a explicação. Essa “elite” medíocre sequer mora mais aqui. Dada a falta de apreço pela história da cidade, pela decadência até mesmo dos bairros de “alto padrão”, imaginamos que nem vivam numa cidade bonita e agradável para seus habitantes. Talvez morem no subúrbio de Orlando.

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Last Update: 01/12/2024