“A melhor política industrial é não ter política industrial”, defendeu o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, conceito que, especialmente no atual contexto, perdeu (se é que teve) completamente o sentido.
A conclusão é dos debatedores do primeiro ciclo de debates para discutir a neoindustrialização e política industrial do Brasil, encontro promovido pelo Núcleo Brasileiro de Estudos Estratégicos (NBEE) da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).
Na última segunda-feira (4), os debatedores apontaram que o Brasil tem condições para retomar o processo de industrialização, sem o qual nenhum grande país se desenvolveu.
“Não se conhece experiência de país que tenha atingido o grau de desenvolvimento sem o papel relevante da indústria. Em geral, as exceções que são citadas não dão base, não justificam a ideia de que é possível se desenvolver sem indústria. Porque os países que têm um certo grau de desenvolvimento, uma renda per capita média elevada, mesmo sem ter indústria, são exceções, porque são países que têm características muito específicas”, apontou o professor e economista Antonio Corrêa de Lacerda.
Lacerda comentou que o Brasil chegou a ser bem sucedido no processo de industrialização ao longo do século XX. No entanto, ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000, houve um abandono das políticas de desenvolvimento a partir do processo da globalização neoliberal, quando se acreditava que o próprio mercado daria conta de demandas.
Assim, em vez de investimento nas indústrias, a política brasileira se concentrou em importações. “As sequelas desse processo foram um processo significativo de concentração de renda, por um lado. E o outro de uma vulnerabilidade externa, porque, em grande parte, esse processo financiado com capital externo de empréstimos e que sujeitos a variações das taxas de juros”, observou o economista.
Retomada nos governos Lula (PT) e Dilma (PT) a partir de 2003, o Brasil teve iniciativas bem sucedidas, mas nem sempre exitosas. “A política industrial, embora necessária, não é suficiente para promover a industrialização”, continua o professor.
Superação de mitos
Lacerda defende, no entanto, a retomada das políticas industriais e da neoindustrialização a partir da superação de alguns mitos, um deles o de que a concorrência internacional é tão grande que inviabiliza a adoção de uma política nacional.
“Toda literatura internacional de boa qualidade, com as melhores práticas, aponta justamente o contrário. A maioria dos países adotaram e adotam políticas industriais voltadas para o seu desenvolvimento, claro, numa visão adaptada aos novos tempos, que tem que cuidar da economia verde, da transição energética, da questão do setor privado”, aponta o especialista.
Antônio Lacerda lembrou ainda como a crise mundial resultado da pandemia de Covid-19 demonstrou a vulnerabilidade do Brasil diante da insegurança do fornecimento.
“O paradigma neoliberal de que você não precisaria produzir porque você pode comprar de terceiros se mostrou absolutamente inviável, porque mesmo equipamentos simples de proteção individual, como luvas, máscaras, respiradores e outros equipamentos, acabaram, evidentemente, tendo uma grande escassez mundo afora. No caso brasileiro, mesmo com o pagamento adiantado de alguns equipamentos, nós não recebemos esses equipamentos em tempo hábil. Então, isso ilustrou muito bem a importância da segurança de fornecimento, superando inclusive o fator custo, que era um dos motivadores da globalização”, acrescenta.
A crise climática, que gera diversos problemas no Brasil graças às enchentes e às queimadas, também evidenciam a dificuldade de garantia de fornecimento.
“E terceiro, mas não menos importante, o fator geopolítico ligado às guerras internacionais. Primeiro, Rússia e Ucrânia, depois Israel e Hamas, que implicaram não só a interrupção de fornecimento de fertilizantes, mas também, por exemplo, de chips, microchips. 90% dos chips ultraprocessados vêm de Taiwan. E tanto pelo aspecto produtivo como dificuldade de logística, interromperam a produção mundo afora”, conclui o economista.
O ciclo de debate contou com a participação ainda de Ricardo Bielschowsky (UFRJ) e Haroldo Silva (CORECON-SP). Assista as contribuições na íntegra neste link.
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