Cortes podem acentuar desigualdades regionais, por Ion de Andrade

Cortes podem acentuar desigualdades regionais

por Ion de Andrade

Em artigo anterior (clique aqui para ler) eu apontei três problemas decorrentes do Pacote de Cortes:

  1. o fato de que pune os mais pobres, por exemplo os setores médios não foram exigidos de contribuir com nenhum centavo para o esforço de assegurar o “equilíbrio” fiscal pretendido; mas o recebedor do Salário Mínimo, sim; numa engenharia política que fez a classe média aderir, e não por acaso, a um pacote gratuito para ela, que lhe pareceu, portanto, muito razoável minando a solidariedade interna ao campo progressista;
  2. o fato de que dividiu a esquerda e inclusive o PT onde se abriu uma dissidência difícil de ser remediada enquanto seus efeitos durarem e
  3. o fato de que atacando o Poder de Compra do Salário Mínimo e de todas as transferências sociais calculadas com base nele, com destaque, então, para o BPC, haveria risco real para as eleições de 2026.

Mas há outro problema que não me veio ao espírito quando escrevi o artigo, que foi sugerido pelo Professor da UFAL o meu amigo Marcelo Karloni da Cruz e que compõe esse quadro:

  1. o fato de que o pacote de cortes acentua os desequilíbrios regionais de renda fazendo pagar proporcionalmente mais por ele os estados da federação nos quais a renda média depende mais do salário mínimo e das políticas sociais.

O mapa abaixo mostra, conforme descreve o IBGE, o “Rendimento médio mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho” por unidade da federação para o terceiro semestre de 2024, variável que pode ser obtida no site do IBGE e está disponível em https://sidra.ibge.gov.br/tabela/5436.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tabela 5436 – “Rendimento médio mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho, habitualmente recebido no trabalho principal e de todos os trabalhos (Reais)”, por Unidade da Federação para o terceiro trimestre de 2024, Brasília 2025

Estamos admitindo aqui a ideia de que quanto menor a renda, maior a dependência do Salário Mínimo e das Transferências Sociais na composição da renda média.

Se essa premissa for verdadeira, o que temos com o Pacote é que o esforço garantidor do “equilíbrio” fiscal da União, (que representa todos os estados e municípios, os mais ricos e os mais pobres), será custeado proporcionalmente em maior volume pelos estados e municípios mais dependente do Salário Mínimo na formação da renda média domiciliar e que são os mais pobres.

É presumível, portanto, que a aplicação do Pacote de Cortes venha a ampliar a assimetria da renda entre os estados mais e menos dependentes do Salário Mínimo para a formação da renda média domiciliar, empobrecendo os mais pobres de onde sairão os 110 bilhões pretendidos pelo Ministério da Fazenda com os reajustes a menor previstos.

A crítica ao arcabouço e ao pacote de cortes se tornou uma espécie de tabu no contexto da esquerda pelo medo de que ela (a crítica) venha a minar as chances de reeleição de Lula.

Mas quem critica o faz por preocupação justamente com os riscos para a permanência do governo Lula para além de 2026 e não para enfraquecer o governo e porque espera que contrapesos possam ser implementados para compensar a insatisfação social que poderá vir na esteira dos cortes.

Para além disso, podemos ficar tranquilos também por duas razões:

  1. Para a extrema direita, que disputa o Poder com o campo democrático, essa crítica interna é inócua ou nula de efeitos porque ela não se mobiliza em defesa do Poder de Compra do Salário Mínimo. Na verdade, a extrema direita queria mais cortes e
  2. Não será pela mídia alternativa (ele não nos lê) que o trabalhador que recebe o Salário Mínimo vai formar opinião contra o governo, é por conta própria mesmo, uma formulação coletiva no contexto de suas comunidades pobres onde mais do que ele muitos estarão na mesma situação.

A razão é que ninguém pode enganar o trabalhador pobre sobre quanto vale o seu salário. Vivendo com o cinto no último furo, ele tem a melhor e mais fiel ferramenta econômica para saber qual é o poder de compra real do que ele recebe.

Ion de Andrade é médico pediatra e epidemiologista, atualmente é professor visitante na UFRN junto ao departamento de Engenharia Biomédica. Terminou o seu segundo grau profissionalizante na França em Ciências Econômicas e Sociais, área em que sempre manteve vivo interesse e estudo.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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