Trabalhador rural Almir Muniz. Imagem: Divulgação Justiça Global

Por Justiça Global

No momento em que o país celebra a conquista do Oscar pelo filme Ainda Estou Aqui (Brasil, 2024), a Corte Interamericana de Direitos Humanos deverá condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado do trabalhador rural e defensor de direitos humanos Almir Muniz, no estado da Paraíba. 

O anúncio será nesta terça-feira (11), às 16h, com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube da Justiça Global. O caso foi apresentado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dignitatis e pela Justiça Global, e chega ao seu tão esperado momento final após quase 23 anos de luta por justiça. 

Almir Muniz  foi visto pela última vez em junho de 2002. O trator em que ele trabalhava naquele dia foi encontrado com marcas de tiros em Itambé, cidade na divisa entre Paraíba e Pernambuco, conhecida como “fronteira da morte” pelo alto número de assassinatos de trabalhadores.

Almir já havia denunciado a violência no campo e a formação de milícias rurais em diferentes ocasiões, inclusive em uma Comissão Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba. A responsabilidade do Estado na negligência da investigação do caso é um dos pontos que serão avaliados pela Corte IDH. 

Assentamento Almir Muniz. Foto: CPT PB

O caso, admitido pela Comissão Interamericana em 2016, chegou à Corte em 2022 e foi levado à audiência em 9 de fevereiro de 2024, em São José da Costa Rica (recupere aqui a transmissão).

A Corte IDH deve se pronunciar, ainda, sobre a ausência de tipificação do crime de desaparecimento forçado no Brasil. Em um momento de extrema comoção e resgate da memória de Rubens Paiva, será essencial reconhecer que o país pouco avançou não apenas na garantia de memória, verdade e justiça para as vítimas da ditadura civil-militar, como também para as vítimas de desaparecimento forçado durante a democracia.

Saiba mais sobre o caso: 

Almir Muniz da Silva tinha 40 anos, era trabalhador rural, casado e pai de três filhos. Além disso, também atuava como líder comunitário e era diretor da associação dos trabalhadores rurais da terra comunitária de Itabaiana, Paraíba. 

Pouco mais de um ano antes, em 9 de maio de 2001, Muniz da Silva testemunhou perante a Comissão Parlamentar de Inquérito da Paraíba sobre a violência no campo e a formação de milícias rurais no estado, apontando a atuação de policiais em supostos atos de violência contra trabalhadores rurais da região. Em 23 de dezembro de 2000, Almir Muniz da Silva foi ameaçado de morte por um dos policiais que havia denunciado.

Em abril de 2009, o caso foi arquivado, e os parentes ficaram sem explicação. Naquele ano, a Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra e Dignitatis, enviaram petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violações cometidas por agente do Estado e omissão nas investigações.

Diante disso, após apresentação da denúncia, a Comissão Interamericana solicitou à Corte que conclua e declare que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 3 (personalidade jurídica), 4 (vida), 5.1 (integridade pessoal), 7 (liberdade pessoal), 8.1 (garantias judiciais), 16 (liberdade de associação) e 25.1 (proteção judicial) da Convenção Americana, em relação ao seu artigo 1.1, em prejuízo de Almir Muniz da Silva e seus familiares, assim como o artigo 2 (dever de adotar disposições de caráter interno). 

Além disso, concluiu que o Estado descumpriu as obrigações contidas nos artigos I e III da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, a partir da data em que o Brasil ratificou esse tratado.

Principais reivindicações

  • Reparação integral aos familiares da vítima de forma material e imaterial através da implementação de medidas de reabilitação, compensação, satisfação e garantias de não repetição de forma imediata, compreensiva e abrangente, incluindo danos materiais e danos imateriais sofridos pelas vítimas;
  • Medidas de reabilitação, como forma de reparar os danos físicos e psicológicos sofridos pelos familiares, o que se dá através da garantia de tratamento médico-psicológico individualizado por meio de profissional ou instituições especializadas na atenção a vítimas de violações como a ocorrida com Almir Muniz;
  • Medidas de compensação por meio de indenização justa que abarquem os danos materiais e imateriais;
  • Medidas de não repetição que incluam tipificar legislação interna brasileira o crime de desaparecimento forçado, conforme os instrumentos internacionais; fortalecimento do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos; e a realização de um diagnóstico da situação dos defensores dos direitos humanos no contexto dos conflitos no campo para identificar e eliminar os riscos que enfrentam.

Desaparecimento forçado

A falta de uma ação efetiva de investigação do Estado em relação ao desaparecimento de Almir Muniz reforça a necessidade de que o Brasil passe a tipificar o desaparecimento forçado como crime em sua legislação.

Atualmente no Brasil, há quase 36 anos após a redemocratização no país, o desaparecimento de pessoas sob a tutela das forças armadas continua a desafiar o Estado de direito. 

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, o país registrou 74.061 desaparecidos, uma média de 203 desaparecimentos diários.

Em dezembro do ano passado, a Corte Interamericana condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 11 jovens moradores da favela de Acari, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em 1990. O caso deu origem ao grupo de ativistas Mães de Acari. 

Considerações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Antes que o caso fosse encaminhado à Corte IDH, a Comissão constatou que não houve uma versão oficial do Estado brasileiro sobre o ocorrido, uma vez que a investigação interna foi arquivada sem esclarecimento dos fatos ou punição dos responsáveis. Portanto, a CIDH concluiu que o que ocorreu com Almir Muniz da Silva trata-se de um desaparecimento forçado. 

A Comissão observou ainda que o assassinato de um defensor dos direitos humanos e a consequente situação de impunidade tiveram um efeito intimidador sobre outras pessoas defensoras dos direitos humanos e do movimento dos trabalhadores rurais.

Acesse mais Aqui: Muniz da Silva Vs. Brasil – Justiça Global

Sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos

O Sistema Interamericano de proteção dos direitos humanos (SIDH) foi criado a partir da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem na 9⁠ª Conferência Internacional Americana realizada em Bogotá em 1948, onde também foi adotada a própria Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que afirma os “direitos fundamentais da pessoa humana” como um dos princípios fundadores da Organização. Ele é composto por dois órgãos:

  • A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que é uma instituição judicial autônoma da que tem o objetivo de aplicar e interpretar a Convenção Americana (Pacto de San José da Costa Rica), um tratado que prevê direitos e liberdades adotado em 1969 e em vigor desde 1978. O Brasil é um dos 20 países da região que reconhecem sua competência;
  • A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um órgão de natureza executiva, composta por sete juristas de diferentes nacionalidades do continente americano, que visa a promoção, observância e defesa dos Direitos Humanos. Além do Sistema de Petição Individual, a CIDH monitora a situação dos direitos humanos nos Estados Membros e dá a atenção a linhas temáticas prioritárias.

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Last Update: 10/03/2025