Na noite de terça-feira (16), trechos da entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Record TV vazaram através de um grupo de WhatsApp. As declarações do presidente, gravadas pela manhã em entrevista à jornalista Renata Varandas, foram adiantadas a investidores de forma parcial e descontextualizada pela corretora BGC Liquidez no início da tarde. Esse vazamento impactou o mercado financeiro antes da exibição oficial na emissora.
Impacto no mercado
O vazamento das falas de Lula, que incluíam declarações sobre metas fiscais e gastos públicos, provocou ruídos de incerteza fiscal no mercado. As declarações fora de contexto geraram especulações, fazendo com que o dólar se valorizasse e a Bolsa de Valores registrasse quedas significativas.
Mesmo sem saber exatamente o que havia sido dito ou o contexto, o mercado reagiu imediatamente. O dólar, que estava em queda, virou para alta em relação ao real. Na renda fixa, as taxas de alguns Depósitos Interfinanceiros (DIs) zeraram as perdas, e o Ibovespa, que ameaçava se recuperar, voltou a cair. No final do dia com a correção do vazamento, apesar da volatilidade, a Bolsa se firmou no campo negativo, e a B3 cedeu 0,18%, fechando com 129.083 pontos. O dólar, que havia subido, recuou e fechou em baixa.
Repercussão e investigação
A Folha de S. Paulo revelou que o texto divulgado pela corretora BGC foi atribuído à Capital Advice, agência de análise política da qual a autora da entrevista, Renata Varandas, é sócia. A Capital Advice presta serviços à BGC. Renata Varandas teria avisado membros da Capital Advice sobre alguns dos tópicos discutidos na entrevista que seria veiculada às 19h55min de terça-feira. Trechos da conversa foram repassados em um grupo de WhatsApp integrado por membros da corretora BGC Liquidez, que divulgou as informações ao mercado pouco antes das 13h.
Pouco antes das 13h, a BGC Liquidez divulgou as falas de Lula que ainda não haviam sido veiculadas pela emissora. “Em entrevista à Record TV, que será veiculada hoje (terça, 16), o presidente Lula disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 bilhões e 20 bilhões no relatório de 22 de junho. Disse ainda que, se precisar modificar a meta, ele não se opõe”, adiantava a corretora no documento enviado ao mercado. A menção a cortes “entre R$ 15 bilhões e 20 bilhões”, apresentada no comunicado da corretora, não foi dita por Lula, sendo mencionada apenas na pergunta do jornalista.
“Vamos fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal. Eu dizia na campanha que íamos criar um país com estabilidade política, jurídica, fiscal, econômica e social. Essa responsabilidade, esse compromisso, posso dizer para você como se estivesse dizendo para um filho meu, para a minha mulher, responsabilidade fiscal eu não aprendi na faculdade, eu trago do berço”, disse Lula na entrevista, veiculada integralmente no fim do dia pela emissora.
Reação da Record TV e do Governo
A Record TV condenou o vazamento das informações e afirmou que “medidas cabíveis serão tomadas” após a apuração dos fatos. No comunicado enviado à imprensa, a emissora afirmou que condena qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado durante as entrevistas feitas por jornalistas da empresa. A assessoria de imprensa da Record informou, na noite de quarta, que a jornalista Renata Varandas continua na equipe da emissora. Segundo a emissora, a ligação de Renata Varandas com a Capital Advice só foi descoberta após a divulgação do comunicado de imprensa pela agência.
O episódio foi recebido com gravidade pela equipe econômica do governo federal, exigindo que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) fosse a público para debelar sobressaltos no câmbio e na Bolsa. Fernando Haddad afirmou que as declarações estavam fora de contexto e que outros trechos da entrevista mostravam o compromisso do governo com o arcabouço fiscal.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) afirmou que acompanha e analisa informações e movimentações no mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis sempre que necessário. A CVM possui regulamentação específica sobre a instauração de processos administrativos sancionadores e deve levar em consideração mais fatos sobre o suposto uso de informação privilegiada.
O caso ainda não entrou no radar da CVM, pois não envolve falha de divulgação de informação de companhias reguladas pela autarquia, como empresas com ações em bolsas ou fundos, e não há evidências concretas de que o vazamento foi feito com o objetivo de obter ganhos financeiros ou manipular o mercado.
A Capital Advice e Renata Varandas não quiseram se pronunciar. A BGC Liquidez, por sua vez, limitou-se a dizer que está apurando internamente os fatos.