Corporativismo ou Justiça? A pena branda do Promotor que atacou o STF

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) concluiu nesta semana o julgamento de um caso que expõe as contradições do sistema disciplinar brasileiro: um promotor acusado de atacar o Supremo Tribunal Federal e defender intervenção militar recebeu apenas uma pena de advertência. Quatro outras acusações foram consideradas prescritas.

O protagonista é Nelson O’Reilly, promotor de Justiça de São João da Boa Vista, no interior paulista. Segundo a correição inicial do CNMP, ele utilizou suas redes sociais para manifestações que ultrapassaram os limites da liberdade de expressão garantida até mesmo a membros do Ministério Público.

O Que Mostrou a Correição

O primeiro relatório do corregedor não deixou margem para dúvidas sobre a gravidade das condutas. O’Reilly participava de grupos no Facebook onde constavam publicações afirmando que “ESSE STF É UMA VERGONHA MESMO” e “QUANDO O BANDIDO É O JUIZ, A NAÇÃO VIRA RÉ”, em referência aos ministros da Corte Suprema.

Mais que isso: o promotor “curtiu” postagens defendendo que o então presidente Jair Bolsonaro acionasse as Forças Armadas para “restabelecer a ordem no Brasil”. Identificava-se publicamente como membro do Ministério Público de São Paulo enquanto fazia estas manifestações.

A correição também documentou publicações favoráveis a “novo golpe militar no País”, ataques à segurança das urnas eletrônicas e promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina.

Entre outros relatos, diz o relatório do corregedor:

61. Inicialmente, merece apuração, mediante a instauração de Processo Administrativoo Disciplinar, as condutas constantes na Reclamação Disciplinar n° 1.101181/2022-7812, em face do Promotor de Justiça Nelson de Barros O’Reilly Filho, consistente na utilização de rede social em nome próprio para realizar manifestações de caráter ideológico de modo a demonstrar simpatia partidária por determinado grupo político

62. (…) Determinadas publicações feitas pelo Promotor de Justiça em seu perfil pessoal na rede social Facebook, no qual se identifica como Membro do Ministério Público de São Paulo, são favoráveis a novo golpe militar no País; volta da ditadura militar; o ataque à segurança e lisura das urnas eletrônicas empregadas no processo eleitoral; favoráveis a kit de remédios comprovadamente ineficazes para combate ao vírus da Covid19, a exemplo do uso do medicamento denominado cloroquina, pela população; contrariedade aisolamento social, como meio de contenção da propagação o vírus da Covid-19, dentre outros

1. O Promotor de Justiça Nelson de Barros O’Reilly Filho faria parte de grupo ou página dFacebook, denominada, inicialmente, CEPM, mais tarde chamada de TENENTE TORRES, conforme consta da fl. 39 da petição de Representação que deflagrou a Reclamação Disciplinar n. 1.01181/202278. Neste sentidoa) 

A. Descrições do Grupo (pág. 40, RD 1.1181/2022-78) – “CEPM – UNIDOSFOCADOS E FORTES – GRUPO DE CEOM FORTES – CEPM – SÃO JOÃO DBOA VISTA”; “GRUPO DE DIREITA QUE ACREDITA NOS VALORES DA FAMÍLIA TRADICIONAL, NOS PRINCÍPIOS E VALORES ÉTICOS E MORAIS E QUE APOIOS PROFISSIONAIS DA ÁREA…

b) “Você apoia que o presidente Bolsonaro acione as forças armadas parrestabelecer a ordem no Brasil” (publicado em 01/08/2021, p. 40-41). Nesta publicação Nelson “curtiu” o conteúdo, o que fica público para quem acessar publicação

c) À pág. 41, constam publicações no referido grupo, do qual o Reclamado Nelson integrava, com a fotografia do então Presidente da República Jair Bolsonaro e comos seguintes dizeres “ESSE STF É UMA VERGONHA MESMO…” (01/104/2021), outra com a imagem de todos os ministros do STF e com os seguintes dizeres ”QUANDO O BANDIDO É O JUIZ, A NAÇÃO VIRA RÉ! Lula foi Solto? Sim. Provou ser inocente? Não – apenas provou que o consegue ser mais corrupto do que ele!” (Publicado em 23/07/2021)

A Engrenagem da Impunidade

O caso deveria ter sido exemplar. A primeira correição resultou no afastamento cautelar do promotor para que as investigações fossem completadas. Mas foi aí que a história tomou rumos surpreendentes.

Mário Sarrubo, à época Procurador-Geral do Ministério Público de São Paulo, arquivou todas as denúncias contra O’Reilly. Mais tarde, Sarrubo assumiria a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo federal e atuaria como testemunha de defesa do colega, chegando a atacar publicamente o corregedor anterior.

A segunda correição, segundo relatos, foi marcada por vícios processuais: os advogados de O’Reilly puderam acompanhar todos os depoimentos, privilégio negado aos advogados de acusação.

Uma Sentença Controversa

O desfecho chegou esta semana. De cinco denúncias, quatro foram consideradas prescritas pela própria demora do CNMP em julgar o caso. A quinta, referente aos ataques à democracia e às instituições, resultou em mera advertência.

O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, votou com o relator pela decisão final. O CNMP negou pedido para abertura do voto aos interessados.

Para críticos da decisão, a dosimetria da pena foi desproporcional. Advertência é a sanção mais leve prevista na legislação disciplinar, geralmente reservada a infrações menores. Promotores que atacam frontalmente o STF, defendem ruptura institucional e desrespeitam deveres básicos da magistratura costumam enfrentar sanções mais severas, que podem incluir suspensão ou até demissão.

O Que Está em Jogo

O caso O’Reilly transcende o destino individual de um promotor. Ele expõe fragilidades estruturais no sistema de accountability do Ministério Público brasileiro.

A prescrição de quatro acusações por demora do próprio órgão julgador revela ineficiência institucional. A atuação de Sarrubo, arquivando denúncias como Procurador-Geral e depois testemunhando em favor do colega, levanta questões sobre independência e imparcialidade.

Mais grave: a decisão final sinaliza que membros do MP podem atacar o Poder Judiciário, questionar a legitimidade das instituições democráticas e defender rupturas constitucionais sem enfrentar consequências proporcionais à gravidade de suas condutas.

Corporativismo ou Garantias?

Defensores de sanções mais brandas argumentam que o MP deve ter ampla liberdade de expressão, inclusive para posições políticas controversas. A tese é que exigências excessivas de neutralidade poderiam cercear o debate público e a independência institucional.

O contra-argumento é igualmente robusto: membros do sistema de justiça têm deveres funcionais específicos. Atacar outras instituições da República, defender golpes de Estado e tratar ministros do STF como criminosos não se enquadra em liberdade de expressão legítima, mas em quebra do dever de respeito às instituições.

O Código de Ética do Ministério Público é explícito: seus membros devem “zelar pelo prestígio da Justiça” e manter “conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

Um Recado Perigoso

A decisão do CNMP envia uma mensagem preocupante. Se ataques ao STF, defesa de intervenção militar e desrespeito sistemático às instituições democráticas resultam apenas em advertência, qual seria o limite para sanções mais severas?

O corporativismo, quando se sobrepõe à responsabilização, corrói a legitimidade das instituições. E instituições sem legitimidade perdem a autoridade moral para exigir respeito da sociedade.

Nelson O’Reilly retorna às suas funções com uma pena que muitos consideram simbólica. As instituições democráticas brasileiras saem enfraquecidas. E o recado fica: para alguns, as regras são mais flexíveis que para outros.

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