Surpresa e terror. Essa foi a reação dos sul coreanos diante da inesperada decisão de um tribunal distrital de libertar o projeto de ditador sul coreano Yoon Suk-nyeol da prisão. Tudo cheira a ilegalidade. Como um tribunalzinho de 2ª. Categoria pode libertar o inimigo público no. 1 da Coréia?  É como se o Moro, na suas funções antigas de juiz da 1ª. Instância libertasse o Jair Bolsonaro condenado pelo STF.

A suspeita foi ganhando corpo à medida que passava o tempo. De acordo com Chun Dae-yup, um juiz da Suprema Corte que atua como chefe da Administração do Tribunal Nacional da Coreia, a decisão de um tribunal distrital de cancelar a detenção do presidente Yoon Suk-yeol, que sofreu impeachment, precisa ser revisada por um tribunal superior após um recurso automático do Ministério Público. A argumentação do tribunalzinho para soltar o facínora era de que o período de detenção havia sido calculado incorretamente. Mas, estranhamente, o tribunalzinho  se baseou no total de horas legal em um cálculo próprio, dispensando o cálculo baseado em data que tem sido usado por décadas. Mas o próprio tribunalzinho reconheceu a necessidade de “uma interpretação e decisão final da Suprema Corte”.

Cerca de 99,99% da população e talvez o mesmo percentual de juristas não-golpistas esperava que o Ministério Público Supremo recorresse da decisão aloprada. O que o ministro da Suprema Corte  Chun estava dizendo é que se os promotores fizerem um apelo automático dentro do prazo permitido, o Tribunal Superior de Seul decidirá se Yoon deve ser levado novamente sob custodia. E certamente essa seria a decisão, acabando com a crise. Mas isso não ocorreu.  Em um aviso oficial , o Gabinete do Supremo Promotor Público disse que não houve “nenhuma mudança” em sua posição existente e observou a importância de “uma decisão quase judicial feita após ampla deliberação, discussão e coleta de opinião dentro do serviço de promotoria para ser livre de influência externa.”

Está claro   que Shim Woo-jung, o supremo procurador  é também um supremo golpista, envolvido numa trama que se revela ampla e quase certamente com influência do imperialismo, mas “sem interferência externa”.  Depois que o ex-presidente ditador foi libertado da prisão, os coreanos têm comparecido em massa aos comícios noturnos pedindo que ele seja finalmente expulso do cargo. Na noite, milhares de coreanos se reuniram perto do canto sudeste do Palácio Gyeongbok, em Seul, para criticar o principal promotor do país por permitir a libertação do presidente Yoon Suk-yeol, que foi acusado de impeachment e está sendo julgado por acusações de insurreição.

Estima-se que 120.000 pessoas participaram do protesto de emergência da Campanha  Fora Yoon e por Reforma Social visando a  remoção imediata de Yoon. A Campanha começou a organizar protestos noturnos a partir do dia 09/03/2025 que devem ser diários e começar por volta das 19h.

Muitos coreanos voltaram às ruas em protesto depois que Yoon foi libertado da prisão após 52 dias atrás das grades. Deputados denunciaram promotores enquanto pediam ao Tribunal Constitucional para remover Yoon do cargo. Naquele dia, os cinco principais partidos de oposição — o Partido Democrata, o Partido da Reconstrução da Coreia, o Partido Progressista, o Partido da Renda Básica e o Partido Social Democrata — entraram com uma queixa criminal contra Shim no Escritório de Investigação de Corrupção para Oficiais de Alto Nível, acusando-o de abuso de poder. Políticos dos cinco partidos também pegaram o microfone no comício.

Atacando Shim em seus comentários, o parlamentar do Partido Democrata Park Chan-dae disse: “Ele será responsabilizado pelo crime de abuso de autoridade para libertar um líder de insurreição, pelo crime de causar insônia induzida pela insurreição ao povo e por correr o risco de um réu destruir evidências ou fugir”. “É o povo, não os promotores ou os tribunais, que determinará o destino do país”, acrescentou.

O Impeachment à Coreana

O poder que as instituições judiciais têm na Coreia certamente foi a forma que a ditadura que imperou no país por décadas encontrou para poder continuar a controlar o regime político do país. Desde que vigora o “regime democrático”  são frequentes as intervenções do  processo político para remover ou impor governantes no país.

O processo de impeachment coreano não é democrático. No modelo democrático o legislativo é responsável tanto para aprovar o projeto de lei de impeachment quanto por realizar o julgamento do impeachment. Dessa forma  prevalece a vontade popular, pelo menos a representada pelo Parlamento, que é geralmente sensível à pressão popular. No caso do Brasil a interferência do judiciário pode interromper o processo, mas isso não tem acontecido. No caso do flagrante desrespeito a todos os procedimentos legais no encaminhamento do impeachment da presidente Dilma Roussef, inclusive a ausência de crime, o Supremo foi fundamental para dar prosseguimento ao processo.

Na Coreia o projeto de lei de impeachment é aprovado pelo legislativo e a decisão final é tomada por um órgão judicial. Em 12 de março de 2004, a Assembleia Nacional Coreana aprovou um projeto de lei de impeachment contra o presidente Roh Moo-hyun com o apoio de 193 dos 271 membros da assembleia. Pesquisas na época mostraram que o impeachment era rejeitado por cerca de 80% da população, mas foi decretado pelo Tribunal

Em 9 de dezembro de 2016, a Assembleia Nacional aprovou um projeto de lei de impeachment contra a presidente Park Geun-hye com 234 dos 300 legisladores em exercício apoiando a moção. Uma pesquisa Gallup na terceira semana de março, pouco antes do veredito ser anunciado, mostrou que 81% das pessoas apoiaram o impeachment de Park, com 14% contra. A decisão do Tribunal Constitucional de remover Park do cargo foi unânime. Com efeito, tanto a Assembleia Nacional quanto o Tribunal Constitucional implementaram fielmente a vontade popular.

Em 14 de dezembro de 2024, a Assembleia Nacional aprovou um projeto de lei de impeachment contra o presidente Yoon Suk-yeol com 204 dos 300 legisladores votando a favor do projeto, inclusive doze do Partido do Poder Popular de Yoon,  votaram a favor do projeto. Pesquisas feitas pela Gallup Korea na primeira semana de março, com o veredito do Tribunal Constitucional no julgamento de impeachment esperado a qualquer momento, descobriram que 60% do público apoia o impeachment de Yoon, enquanto 35% se opõem a ele.

O que acontece se o Tribunal Constitucional anular o impeachment de Yoon? Será um novo golpe de Estado e a crise do regime politico pode se encaminhar para um novo golpe de Estado e  a implantação de uma ditadura sanguinária, pois contra a vontade popular.

A trama do golpe revelada

Quando o presidente Yoon Suk Yeol foi deposto, todos acreditavam que o golpe havia acabado. Yoon foi enviado para a prisão acusado de rebelião por ter imposto a lei marcial  Mas não foi nada disso. A lei marcial foi a coroação de um meticuloso processo de estruturação de um novo regime militar violento. A verdade foi revelada com a descoberta de um caderno mantido pelo Diretor de Inteligência Militar Roh Sang Won, considerado o arquiteto do golpe. O caderno contém instruções que Roh escreveu sob o comando de outro conspirador, o Ministro da Defesa Kim Yong Hyun, que reconheceu que as ordens de Roh eram suas.

 Assassinatos, prisões e ataques em massa

O exército organizou duas equipes para capturar 14 altos funcionários e enviá-los para a prisão. Entre os alvos prioritários da repressão estavam o ex-presidente sul-coreano Moon Jae-in e o atual líder do Partido Democrata da oposição, Lee Jae-myung, principal oponente de Yoon. Em seu discurso de lei marcial, Yoon citou a maioria do Partido Democrata na Assembleia Nacional como uma de suas razões para impor uma ditadura militar.

Cerca de 500 indivíduos e organizações foram alvos de prisões e batidas policiais nos primeiros dias da lei marcial. As vítimas foram classificadas nas categorias de A a D, com base na importância atribuída à sua captura. A lista de presos incluía políticos e parlamentares de destaque, além de líderes religiosos budistas e cristãos, celebridades do mundo do entretenimento, juízes, sindicalistas, chefes de polícia, autoridades públicas e até o ex-técnico nacional de futebol, Cha Bum Geun. Pelo menos  200 personalidades da mídia foram colocadas na lista negra da primeira rodada de prisões.

Entre as organizações estavam a Confederação Coreana de Sindicatos, a Federação Coreana de Associações de Professores, os Advogados por uma Sociedade Democrática, a Associação de Padres Católicos pela Justiça e todos os juízes e artistas progressistas. Como um gesto de boas-vindas aos detidos, o caderno se referia à contratação de bandidos para usar os punhos para esmagar os progressistas mais consistentes.

O objetivo era acabar com a oposição. Como afirma o caderno de Rohs, uma vez estabelecida a ditadura militar, todas as forças progressistas teriam que ser eliminadas em preparação para as próximas eleições presidenciais. A constituição sul-coreana limita os presidentes a um único mandato de cinco anos. No entanto, os planejadores da lei marcial estavam considerando pelo menos três mandatos para Yoon sob o novo regime militar, com resultados eleitorais predeterminados a seu favor. Eliminar a oposição garantiria isso.

Como assassinar presos políticos  e ir para o cinema

É impressionante a frieza e a determinação dos militares de implantar uma ditadura militar violenta e criminosa desde o início, algo somente comparável ao Pinochet no Chile. Os golpistas levariam os presos políticos para as ilhas no Mar Ocidental e ao longo da fronteira norte. Eles deveriam ser assassinados. Para executar a tarefa, eles precisavam de sete a oito agentes especiais capazes de atirar e bombardear. O estrategista do golpe selecionou algumas forças especiais e soldados disfarçados para a missão, que seriam complementados por mercenários, reservistas e voluntários. O fundamental era assassinar todos opositores: ninguém deveria sobreviver.

O requinte de sadismo na definição dos vários tipos de extermínio que seriam aplicados parecem o roteiro de filmes de terror.  Uma opção era plantar explosivos na prisão e detoná-los quando os prisioneiros estivessem lá dentro. Outra era atacar a prisão com granadas ou incendiá-la. Eles também planejavam afundar os navios que transportavam as vítimas sequestradas para seus destinos insulares. Os explosivos seriam colocados na sala de máquinas ou no porão.

Os golpistas desembarcariam na Ilha Symido, enviariam os barcos para a Ilha Yeonpyeong e então detonariam os explosivos remotamente de um local adequado. Mas como uma estação de rádio talvez não fosse um meio eficaz, eles preferiam bombas de retardo. Os explosivos tinham que ser potentes o suficiente para garantir que não houvesse nenhuma evidência na forma de destroços. Outras alternativas incluíam envenenar alimentos e água ou usar agentes químicos nas celas das prisões!

Julgar e condenar

Uma vez estabelecida a lei marcial, o plano era formalizar a repressão com um verniz legal. Para esse fim, eles estabeleceriam uma sede especial de investigação composta por policiais, militares e agentes de contrainteligência. A organização criminosa seria responsável por agilizar a prisão e o julgamento dos rotulados, bem como dos progressistas. A missão, planejada para durar um ano, era condenar os prisioneiros à morte ou prisão perpétua. Os 500 prisioneiros e organizações listados pelo nome seriam o primeiro grupo de vítimas, seguido por muitos outros, em uma campanha massiva de repressão, como Yoon disse em seu discurso de decretação da lei marcial, dirigido a seus oponentes.

A perseguição implacável

Os oposicionistas que tentassem fugir ou se esconder seriam caçados e sequestrados. Os golpistas proibiriam todos os cidadãos de deixar o país. Além disso seriam utilizados meios eletrônicos para caçar pessoas. O planejamento do golpe, neste aspecto, começou bem antes da lei marcial. O Comando de Defesa da Capital contatou, em agosto de 2024, empresas de compartilhamento de viagens, solicitando acesso a dados como IDs de clientes e localizações de veículos em tempo real. Uma empresa de aluguel de carros, a Socar, rejeitou o pedido por falta de justificativa legal. A resposta de outras empresas de compartilhamento de carros é desconhecida. Se algum deles concordou em cooperar ou não era irrelevante, já que os militares poderiam ter assumido o controle do rastreamento eletrônico.

Esse  Comando de Defesa da Capital não só participou  ativamente do planejamento do golpe militar de Yoon  como foi responsável pelo  ataque à Assembleia Nacional. A Lei Marcial proibiu todos os partidos políticos, comícios e manifestações, alertando que os infratores seriam punidos. Esperava-se que um número significativo de cidadãos comuns levantasse a voz em protesto e fosse preso.

O que fazer com verdadeiras multidões de presos, onde encontrar espaço para aprisioná-los? Incrível! Muito antes do golpe, de março a maio de 2024, a 7ª Brigada Aerotransportada visitou prisões na província de Jeolla do Norte, solicitando plantas das instalações e permissão para filmar. Essa ação não se limitou a apenas uma brigada.  A ousadia dos golpistas era tanta que iriam indultar em massa os presos comuns dessas prisões para poder prender a grande quantidade de oposicionistas ao Golpe.

Toda notícia ou informação será castigada

Os golpistas não menosprezaram a possibilidade de reação ao golpe também na mídia. O decreto da lei marcial aprovado na noite de 3 de dezembro declarou: “Todos os meios de comunicação e publicações estão sujeitos ao controle do Comando da Lei Marcial”. Esse controle seria exercido direta e fisicamente , tendo o Ministro da Segurança, Lee Sang Min, ficado encarregado de  bloquear as redações e estações de rádio e TV, inclusive  cortando o fornecimento de água e eletricidade.

A ação seria coordenada pela polícia e pelos bombeiros. A mídia estava destinada a ser inclusive destruída fisicamente… A população seria inundada pelas Fake News do militares, que exerceriam o monopólio da informação.

A reação do partido democrata, forçando a entrada na Assembleia Nacional para aprovar uma lei que revogasse a lei marcial foi decisiva para  o fracasso do plano, assim como as intensas manifestações populares que se mantiveram até a prisão de Yoon. De sua cela na prisão, o ex-ministro da Defesa e planejador da lei marcial Kim Yong-hyun emitiu uma declaração que foi lida em voz alta em um comício recente, acusando a oposição de conluio com a China e a Coreia do Norte.

É evidente que a trama do golpe teve total aprovação dos Estados Unidos e muito provavelmente a participação da CIA e outros órgãos do governo norte-americano.  A libertação recente de Yoon, e sua provável vitória no Tribunal contra o impeachment decretado pelo Congresso mostra que o golpe não só não terminou, como é a opção política do imperialismo para a Coreia do Sul. O país está de novo no topo de um vulcão político. Forças poderosas estão determinadas a trazer Yoon de volta ao poder por meios violentos.

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Last Update: 18/03/2025