A nova ata do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (24), escancara a lógica anacrônica que ainda comanda a política econômica do Banco Central: conter uma inflação já em queda real às custas da desaceleração do crescimento e da precarização do mercado de trabalho. A decisão de manter a taxa básica de juros em 15% ao ano — a maior desde 2006 — e a sinalização de que esse patamar será mantido por um “período bastante prolongado” reafirmam o diagnóstico equivocado de que o país está crescendo demais e precisa ser contido.

É uma lógica que ignora os impactos concretos na vida das pessoas: renda em queda, consumo enfraquecido, crédito travado e aumento da desigualdade. O Copom se comporta como se estivesse em um laboratório técnico estéril, imune aos efeitos sociais de suas decisões, e insiste em uma receita que já demonstrou mais prejuízos do que resultados sustentáveis.

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Inflação continua recuando, mas Copom quer mais desemprego

Apesar de reconhecer nas entrelinhas que os núcleos de inflação e os preços dos bens industriais e alimentos mostraram “surpresas baixistas”, o Copom insiste que há pressão inflacionária excessiva e que a economia está “resiliente demais”. Sua resposta? Mais restrição monetária. O Banco Central deixa claro que sua intenção é promover, nos próximos trimestres, uma “maior desaceleração da atividade econômica e inflexão do mercado de trabalho”. Em bom português: provocar recessão e desemprego para alcançar uma meta de inflação que, por sinal, segue sendo desafiada por fatores externos — e não por uma explosão de demanda interna.

A autoridade monetária parece se mover mais por fetiches de mercado e pressão de expectativas do que por dados objetivos da economia real. Enquanto o próprio boletim Focus projeta inflação de 4,5% — dentro do intervalo da meta — até 2026, o Copom reforça a necessidade de manter a Selic alta por “período bastante prolongado” — expressão que apareceu cinco vezes no documento, sob o pretexto de que “as expectativas estão desancoradas”.

Pleno emprego vira ameaça, não conquista

É emblemática a forma como o Copom trata os avanços do mercado de trabalho. Em vez de celebrar a geração expressiva de empregos formais, o colegiado interpreta a baixa no desemprego como um “risco à convergência da inflação” e uma justificativa para manter a economia travada. O crescimento do consumo, em parte puxado pelo aumento de renda das famílias, também é lido como uma anomalia que precisa ser contida — com mais juros, mais desemprego e mais retração.

Essa inversão perversa de valores transforma o pleno emprego em um problema. Para o Banco Central, a inflação precisa ser contida mesmo que o preço a pagar seja a estagnação prolongada e a corrosão do poder de compra de quem vive do trabalho.

Alta dos juros isola o Brasil no mundo

O Brasil voltou a ocupar a indesejável posição de segundo maior juro real do mundo. Em contraste, outras economias — inclusive os Estados Unidos, onde o próprio presidente Donald Trump agora pressiona o Federal Reserve por cortes — já discutem a redução gradual das taxas, diante dos riscos de recessão global. O Banco Central brasileiro, no entanto, caminha na contramão: blindado por uma suposta “independência técnica”, mantém-se refém de um receituário que fracassou na década de 2010 e agora ameaça comprometer a recuperação pós-pandemia.

Mesmo com o aceno sutil à política fiscal do governo federal e à necessidade de reduzir gastos tributários, o Copom se recusa a olhar a conjuntura com lentes mais equilibradas. Em vez disso, transfere à sociedade o ônus do ajuste, mantendo uma taxa de juros que sufoca investimentos, compromete a arrecadação pública e agrava a crise social.

Política monetária contra o país

A condução da política monetária sob Gabriel Galípolo repete, com verniz técnico, o mesmo dogmatismo que marcou a gestão anterior de Roberto Campos Neto. Os quatro aumentos promovidos sob sua liderança — acumulando alta de 4,5 pontos percentuais — não apenas se revelam excessivos, mas socialmente regressivos.

O Copom trata o cenário externo — marcado por conflitos geopolíticos e volatilidade nos preços do petróleo — como justificativa para manter a economia sob rédea curta. Mas, internamente, ignora sinais de desaquecimento, contenção de preços e melhora da arrecadação pública. Em vez de calibrar a política com inteligência e sensibilidade social, adota um automatismo autoritário: juros altos até que o mercado esteja “convencido”.

O que está em jogo: crescimento ou controle cego?

O Brasil não pode mais aceitar que a obsessão com metas numéricas abstratas justifique a paralisia econômica e o retrocesso social. O crescimento do PIB, o fortalecimento do emprego e o estímulo à indústria deveriam ser prioridades — não ameaças.

O Banco Central, sob o manto da autonomia, age como se estivesse acima da política, da sociedade e da Constituição. Mas a sua escolha de manter a Selic em 15% é política — e, como tal, deve ser debatida, contestada e responsabilizada. Manter juros abusivamente altos não é prudência: é sabotagem ao desenvolvimento nacional.

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Last Update: 24/06/2025