COP30 em Belém: entre promessas climáticas e gargalos locais

por Fernanda Feil e Carmem Feijó

Em novembro, Belém do Pará será o centro do mundo climático. Pela primeira vez, uma Conferência das Partes da ONU (COP) será realizada na Amazônia. E não é qualquer edição: a COP30 carrega expectativas gigantescas. As consequências da crise climática, ambiental e social cobram mais ação e menos discurso. O processo de transição verde sustentável requer elevadas somas de recursos em um curto espaço de tempo; os países mais vulneráveis à crise precisam de recursos imediatos.

Não à toa, o financiamento climático é protagonista no debate — uma das pautas mais controversas do processo multilateral nas últimas décadas. O antigo compromisso de US$ 100 bilhões anuais, firmado em 2009, foi oficialmente superado em 2024. Em seu lugar, a COP29 (realizada em Baku, Azerbaijão) estabeleceu uma nova meta: mobilizar pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035, com a ambição de alcançar US$ 1,3 trilhão anuais, somando fontes públicas, privadas e inovadoras.

Esse esforço foi batizado de Roadmap Baku-Belém. Desde fevereiro de 2025, governos, especialistas e entidades multilaterais vêm negociando os pilares dessa transição financeira. O roteiro inclui reformas em bancos multilaterais, facilitação de acesso a recursos, novas fontes de capital e regras mais claras para atrair o setor privado — tudo isso sob forte pressão por justiça climática e ambiental.

Mas há ruídos. Organizações e países do Sul Global alertam para o risco de que o novo roadmap transfira ainda mais responsabilidades financeiras para países do Sul Global, ao ampliar a contagem de “todas as fontes” — o que incluiria empréstimos e investimentos com retorno esperado. É essencial separar recursos entre financiamento climático e crédito tradicional, de forma a garantir que os países vulneráveis não estão entrando em processo de fragilidade financeira e maior endividamento.

Em meio aos desafios diplomáticos, a Cop também enfrenta sua quota de desafios administrativos e logísticos. Enquanto Belém se prepara para o maior evento internacional da história da cidade, em meio a limitações estruturais. São esperados mais de 50 mil participantes, entre chefes de Estado, diplomatas, jornalistas e representantes da sociedade civil. A cidade enfrenta desafios logísticos evidentes: rede hoteleira limitada, mobilidade urbana restrita, saneamento básico precário e uma infraestrutura que exige reformas rápidas. O governo federal promete deixar um legado de urbanização, mas ainda há ceticismo sobre a execução a tempo.

Há também uma cobrança por inclusão real das populações indígenas e tradicionais da Amazônia. A expectativa é que a COP30 não apenas aconteça na floresta, mas dialogue com ela — incorporando vozes que historicamente foram deixadas à margem da diplomacia climática.

A realização da conferência na Amazônia tem força simbólica. Mas o risco de contradição é real: discutir preservação em uma região ainda marcada por desmatamento, queimadas e conflitos fundiários exigirá mais que discursos bem-intencionados.

A COP30 pode marcar uma virada histórica. Para isso, será preciso combinar realismo financeiro, ambição política e sensibilidade social. Belém não pode ser apenas cenário: tem que ser um ponto de inflexão. Onde o mundo mostre, enfim, que está disposto a pagar o preço da transição climática — e não apenas discursar sobre ela.

Fernanda Feil – Diretora de Finanças Sustentáveis no Centro de Finanças Sustentáveis – CeFiS, Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia da UFF e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Carmem Feijó – Diretora Acadêmica no CeFiS, Professora titular na UFF, pesquisadora CNPQ e coordenadora do Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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Last Update: 17/07/2025