Nos últimos meses, uma série de reportagens tem sido publicada sobre a COP30, realizada na capital paraense. Os temas sobre os preços abusivos das hospedagens e a falta de saneamento da cidade foram bastante mencionados e dividiram opiniões. Matérias tendenciosas e até preconceituosas reproduziam estereótipos da região Norte e foram apresentadas como forma de demonstrar que Belém não teria condições de receber eventos de grandes magnitudes.

Os movimentos sociais, por meio de mídias alternativas, buscaram rebater os argumentos ao demonstrar que tais condições são fruto da falta de investimento em políticas públicas governamentais. Concordamos quanto à ausência dos investimentos e ao fato de a cidade se encontrar num verdadeiro caos por responsabilidade dos sucessivos governos. Porém acreditamos que isso seja só parte dos problemas que, diga-se de passagem, não são poucos.

Mas por que dizemos que é só parte? Porque se os problemas atuais de Belém fossem a construção de infraestrutura, as obras do governo estariam no caminho para melhorar as condições de vida da população. Porém, ao contrário, as grandes obras, além de não atenderem aos interesses da classe trabalhadora, aprofundam as contradições e geram mais exclusões sociais. Então, qual é realmente o problema da COP30 em Belém?

Obras ampliam desigualdades

Inicialmente, destacamos que Belém virou um verdadeiro canteiro de obras. Mas as condições de vida e de trabalho dos operários da construção civil não melhoraram, diferentemente dos grandes empresários, que se favorecem com os investimentos governamentais e enriquecem à custa da nossa classe.

A soma dos investimentos do governo federal e estadual chega a quase R$ 5 bilhões, mas não resolverá os anos de descaso com os serviços básicos essenciais da cidade. Ao contrário, aprofundam as desigualdades. As principais obras apresentadas pelo governo, de macrodrenagem e saneamento, refletem o processo de exclusão e segregação imposto.

A macrodrenagem da bacia do Tucunduba, Canal do Caraparu, Murutucu, Bacia do Una, era expectativa de muitas famílias que convivem com os alagamentos e a lama. Porém o sonho virou pesadelo para diversas famílias que foram despejadas à força. Várias residências foram demolidas, e as indenizações não são suficientes para comprar outro imóvel nas redondezas.

Por imposição, as famílias são forçadas a buscar moradias em locais distantes do centro, com as mesmas precariedades de antes e sem condições dignas. São jogadas em áreas de vulnerabilidade. Segundo levantamento do InfoAmazônia, estima-se que 500 famílias foram desalojadas com indenizações entre R$ 5 mil e R$ 40 mil.

Outra situação flagrante cujas desigualdades foram ampliadas pelas obras da COP30 aconteceu na Vila da Barca, comunidade construída sobre palafitas, no bairro da Sacramenta, que agora servirá de depósito de esgoto e dejetos da Avenida Doca de Souza Franco, área nobre, onde o metro quadrado é um dos mais caros de Belém. Apesar das denúncias, o governo manteve o projeto e construirá uma Estação Elevatória de Esgoto para bombear os dejetos dos ricos na área dos pobres, local onde havia sido proposta a construção de uma praça para a população.

Saneamento e privatização da Cosanpa pioram o nível de vida

Dados recentes sobre saneamento básico revelam que o Pará está entre os piores estados brasileiros, com índices de 91% da população sem coleta de esgoto. A capital paraense está entre as dez piores cidades em saneamento do Brasil, com apenas 2,4% do esgoto tratado segundo dados de 2025 do Instituto Trata Brasil.

Após 5 anos do marco legal do saneamento, o governo do Pará privatizou a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa). Mesmo em meio às manifestações contrárias dos trabalhadores, a companhia foi leiloada em São Paulo, longe da participação dos deles.

Com um investimento do governo de mais de R$ 18 bilhões para ampliação e recuperação de rede hídrica, diante das constantes interrupções no fornecimento de água para as devidas manutenções e o discurso de que a privatização garantirá um maior acesso à água, o governo privatizou a Cosanpa para a Águas do Pará, que fará apenas a distribuição. Ou seja, após tudo pronto, a empresa pegará o filé para lucrar em cima de um recurso natural essencial para a vida humana.

Não há nem uma garantia de que as áreas mais carentes serão atendidas. A tendência é a piora no serviço. Basta olharmos para a antiga Rede Celpa, privatizada, cujas tarifas, após a privatização, aumentaram, e hoje o Pará paga uma das tarifas mais caras do Brasil, mesmo sendo um dos principais fornecedores de eletricidade.

Portanto, o discurso de urbanização empurra diversas famílias para áreas mais afastadas do centro, com maior vulnerabilidade e gera mais exclusão social, além de ampliar a especulação imobiliária.

Especulação imobiliária e altos preços dos imóveis

Os dados sobre moradia de Belém e Região metropolitana desnudam a gravidade dos despejos. Segundo o Boletim da Moradia e do Saneamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará (Fapespa), de 2023, o estado do Pará tem um déficit habitacional de 354.296 domicílios. Na Região Metropolitana de Belém (RMB), o déficit de domicílios foi de 79.490.

Dados do IBGE também apontam que cerca de 57% da população de Belém, aproximadamente 745 mil pessoas, vivem em favelas ou comunidades precárias. Já a Fundação Papa João XIII (Funpapa) levantou que Belém tinha, em 2024, entre 2.500 e 3 mil pessoas em situação de rua.

Portanto, é a combinação histórica do déficit habitacional com a política de urbanização e saneamento da cidade que empurra os mais pobres para áreas de maior vulnerabilidade, elevando o preço dos imóveis nas áreas centrais, por meio da especulação imobiliária.

A especulação imobiliária não se reflete apenas no preço de compra e venda dos imóveis, mas também dos aluguéis. Mesmo antes da COP30, Belém foi considerada a segunda capital com o aluguel mais caro do país, com R$ 57,29 por metro quadrado, perdendo apenas para São Paulo, com R$ 59,83. Os dados são da FipeZap, publicados no site da revista Exame.

Os preços abusivos das hospedagens chamaram a atenção da mídia. O governo Lula e seu aliado Hélder Barbalho esbravejaram punição aos hotéis que cobrassem preços exorbitantes. Mas tais medidas têm se resumido a encontrar alternativas para hospedagens. O combate aos preços exorbitantes se chocaria com os interesses das redes hoteleiras, as quais estão sendo incentivadas pelos próprios governos. Temos como exemplos o prédio da Receita Federal, com concessão para a gigante rede portuguesa Tivoli, e o flutuante ancorado próximo a Belém, com concessão para a segunda maior rede hoteleira de Portugal, Vila Galé. Um verdadeiro paraíso para estes empresários, enquanto as preocupações são desviadas para a população que se aglomera em casas de parentes e alugam suas quitinetes para ganhar um troco.

A preocupação que paira nas mentes dos belenenses é que, mesmo após a COP30, a tendência dos preços é de não voltar aos praticados antes, e sim de se elevar. Algo que não condiz com a renda dos trabalhadores, cujos servidores públicos do estado têm salários congelados e recebem vencimentos-base menores que um salário mínimo.

Rodovias e transporte se somam ao o caos na cidade

Quando os governos querem sensibilizar a população, utilizam discursos convenientes para que acreditem que, mesmo diante do impacto negativo que uma obra gere, ela se justificaria por uma melhoria na vida dos trabalhadores.

É dessa maneira que o governador Hélder Barbalho tem apresentado diversas obras de ampliação da rede rodoviária e fluvial do Pará, que terão grande impacto ambiental, como a Avenida Liberdade, que impacta comunidades quilombolas e o sítio arqueológico indígena Ruínas do Engenho Murutucu; a hidrovia Araguaia-Tocantins, onde o governo pretende realizar a destruição do Pedral do Lourenço, um berçário de diversas espécies de peixes. No entanto, o objetivo das obras é atender o agronegócio e a mineração.

Apesar dos investimentos nas rodovias, o governo já privatizou as estradas, as quais passaram a cobrar pedágio após a COP30, ou seja, quem vai pagar a conta é a população.

As obras do Transporte Rápido por Ônibus (BRT) nem terminaram e já são alvo de constantes reclamações, pois os ônibus vivem lotados, há poucos veículos, falhas e interrupções no transporte. Os trabalhadores têm ido morar em locais cada vez mais afastados dos centros e levam mais de uma hora para chegar ao trabalho.

Os motoristas de aplicativos reclamam da falta de fluxo na cidade devido às obras, com ruas fechadas sem sinalização, tornando um estresse para motoristas e passageiros, que reclamam das tarifas, também mais caras que em outras capitais.

Militarização da cidade e a repressão policial

Há menos de dois meses da COP30, Belém se tornou um verdadeiro barril de pólvora, com lutas prontas para explodirem durante o evento.

No dia 2 deste mês, veio à tona mais um escândalo envolvendo governo, prefeituras e empresários. A operação Expertise da Polícia Federal investiga suspeitas de corrupção e fraudes milionárias em contratos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb, e do Fundo Nacional de Saúde. Um esquema para desviar dinheiro da saúde e da educação.

No mês passado, a denúncia foi sobre a espionagem do governo no programa de proteção dos defensores dos direitos humanos, que tem diversos indígenas, quilombolas, camponeses e lideranças políticas ameaçados em seus territórios. Segundo o vídeo divulgado no canal JOTA, e depois nas redes sociais, o delegado Carlos André Viana, chefe do Setor de Inteligência e Análise Criminal (Siac) da Secretaria de Segurança Pública do Pará, diz que o governo era informado de toda movimentação das lideranças, inclusive durante a ocupação da Secretaria de Educação do Pará (Seduc). Um verdadeiro descalabro!

As desigualdades se aprofundam com a exclusão promovida por obras, e fica evidente a disponibilidade de recursos que são empregados para beneficiar o lucro dos empresários. Os movimentos sociais têm lutado contra os ataques ao meio ambiente e à vida digna.

Mas o governo prepara um plano de segurança, apresentado pelos governos federal, estadual e municipal, com uma maior militarização da cidade. Por enquanto, já foi anunciada a contratação de mais de dez mil agentes e militares durante a COP30, além da chegada dos blindados do Exército brasileiro. Todo esse aparato é para que a classe trabalhadora não chegue nem perto da Bluezone (Zona Azul), onde estarão os negociadores ávidos por comprar nossas florestas com financeirização do crédito de carbono e a exploração na foz do Amazonas.

O problema da COP30 está em sua própria concepção. Seu objetivo é aumentar mais ainda a exploração dos recursos naturais, utilizando uma fachada de desenvolvimento sustentável. Não estão sendo construídas obras para melhorar as condições de vida da população, mas para ampliar os lucros do capital.

Por isso, o governo tenta frear as lutas com a cooptação de parte das lideranças. Isso não significa que durante a COP30 não terá lutas – a exemplo da ocupação da Seduc por indígenas, quilombolas e professores. As contradições se aprofundam, e os movimentos já anunciam que na COP30 vai ter luta!

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Last Update: 04/09/2025