No dia 12 de maio, entrevistamos Pierre-Erick Bruny, um dos fundadores do Movimento de Haitianos Livres e Independentes (Malê) e publicamos uma breve resenha dessa conversa muito interessante. Neste final de semana publicamos em duas partes o conteúdo completo da entrevista, mais relevante do que nunca dada a chegada de tropas quenianas ao Haiti.
Pierre, o que te trouxe ao Brasil e há quanto tempo você está por aqui?
Eu estou aqui no Brasil há nove anos. Eu cheguei aqui no final de 2015. Inicialmente fui para Minas [Gerais]. Quando eu iniciei lá em Minas não deu certo porque vim para estudar com o objetivo de realmente voltar e ajudar meu país. Depois, mudei para o Paraná, para uma cidade chamada Maçarandi e depois para Maringá e lá realmente eu consegui ingressar na faculdade e lá eu faz ida de volta entre o Brasil e até hoje.
E você organiza um movimento de haitianos expatriados, o Malê. Você poderia falar mais sobre ele?
Eu criei, em 2017, em conjunto com o padre Décio, que é um padre eu diria que tem uma visão na linha que nós acreditamos e nos ajudou a criar essa fundação onde nós começamos a ajudar numa comunidade no Haiti dentro do departamento do Oeste e com a chegada da pandemia eu enxerguei que a fundação seria muito escrito para fazer aquilo que nós queremos fazer para o Haiti. Então eu decidi em 2023, em 2 de junho, – eu lembro a data porque daqui um tempinho vai ser aniversário do Malê de um ano – nós criamos o Malê.
O Malê, Movimento dos Haitianos Livres e Independentes, conta comigo aqui no Brasil encontrando os haitianos para que nós possamos nos organizar para ajudar na reconstrução do Haiti. O Malê tem jovem de todo o mundo haitiano, eu diria tem jovem representante no Chile; tem representante na República Dominicana; tem um vice coordenador de movimento que está nos Estados Unidos; tem nossa responsabilidade estratégica internacional política internacional também que está no Quebec; e nós temos a grande parte da equipe lá no Haiti trabalhando encontrando as pessoas para fazer formação e realmente demonstrando para o povo haitiano que somos capazes realmente de reverter essa situação. Então o Malê é isso.
Temos uma uma frase que eu que é fundamental para nós essa frase é: “construir o haitiano para a reconstrução do Haiti”. Nós entendemos que nós temos uma obrigação, especialmente a minha geração, de que não podemos deixar esse Haiti para uma outra geração. Eu diria que o Malê está trabalhando para a construção de seres haitianos no sentido cultural, no sentido político, no sentido sociológico para que realmente os haitianos tenham a capacidade de enfrentar o sistema imperialista que coloca o Haiti numa profundeza de tristeza e de miséria onde o povo haitiano não consegue realmente viver.
O Haiti aparece frequentemente na empresa internacional, infelizmente, retratando a severa crise política econômica que o país atravessa. Como você descreveria essa situação atual para o público brasileiro?
Para entendermos a atual situação do Haiti, isso nos leva ao contexto histórico. Temos que lembrar que a independência do Haiti foi uma luta. O Haiti foi o primeiro um país de negros a conseguir a independência de forma mundial e foi segundo país na América depois dos Estados Unidos em 1776 a conseguir essa independência, apesar de que nós ajudamos ajudamos os Estados Unidos também a conseguir a independência deles como escravos, naquela época. Mas quando nós derrotamos três forças imperiais, que eu diria porque fomos colonizados pela Inglaterra, pela Espanha, e depois a França, conseguimos derrotar os três potências mundiais naquela época, especialmente o exército napoleônico, que foi o maior naquela época e conseguiu a independência.
Nosso pai que é o imperador Jean-Jacques Dessalines, que é Jacques I, quando conseguiu uma independência, criou, eu diria, um projeto econômico onde que ele colocava o ser humano no centro do desenvolvimento. E a visão que ele tinha do mundo não seria uma independência somente para o Haiti, era uma independência de qualquer país que tiveram escravos naquela época, que teriam que ser libertados. Por isso que a gente até ajudou Venezuela, Equador, nós ajudamos a Grécia também, enviamos alimentação para gregos, para que eles pudessem realmente naquela época se organizar. Com isso, a França e as grandes potências mundiais não queriam reconhecer a independência do Haiti. Depois, no dia 17 de outubro de 1806, ele foi morto, foi assassinado e foi colocado no poder o Pétion, que tinha um vínculo com a França e que pegou esse projeto que o pai da nação tinha para construir uma nação sólida… porque nesse projeto ele entendeu que não teria realmente a independência, a soberania, se realmente a gente não conseguia construir uma economia muito forte, se os seres haitianos não conseguem sobreviver no Haiti.
Depois do assassino dele, nos anos de 1825, a França requer para que Haiti pagasse pela independência e com esse acordo a gente paga até 1990, por aí. Ou seja, a economia do Haiti foi realmente roubada, foi tudo destruído pela uma dívida que eles fizeram que a gente pagar para a gente ter a independência reconhecida. E pior ainda, nos anos de 1914 e 1915 nós sofremos uma ocupação uma ocupação militar dos americanos que ficaram no Haiti durante um período de dezenove anos 1915 até 1935-36. Ou seja foi um país destruído pelo sistema capitalista, especialmente americano. Isso colocar o Haiti nessa situação.
Depois tivemos o presidente que conseguiria reorganizar o país para realmente recomeçar a caminhada só que eles colocaram um ditador como o Papa Doc que realmente estava no poder só para fazer a vontade dos americanos. Porque naquela época, quando o Papa Doc usou realmente a situação política, visto que a Cuba aliada do União Soviética naquela época e os americanos tinham medo de ter alguém no Haiti no poder que tivesse o mesmo cunho de Fidel Castro. Então eles colocaram lá o Papa Doc, que fez a vontade deles, realmente destruiu o Haiti. Com a derrota do sistema ditatorial, conseguimos colocar o presidente de forma democrática, mas não é a democracia porque nós sabemos muito muito bem que essa democracia que eles impõe não é uma democracia popular, do povo, o povo realmente não é soberano dentro dessa democracia. Com esse presidente, começou a encaminhar o país, que é o Jean Bertrand Aristide, e ele sofreu golpe militar porque ele tinha um discurso, eu diria, do povo, ele queria melhorar a condição da população. Ele sofreu um golpe militar e depois ele votou, foi candidato a conseguir ser presidente de novo. Sofreu um segundo golpe militar e depois os Estados Unidos realmente manteve o país uma situação com uma intervenção militar, mas essa intervenção militar nunca realmente trouxe algo para o Haiti. Colocaram então no poder Joseph Michel Martelly, que foi, eu diria, para manter o sistema americano-canadense-francês dentro do país. Ele realmente conseguiu organizar em cada lugar, região, gangues, porque ele não tinha uma legitimidade popular. Como não havia uma legitimidade popular eles fizeram com as armas, eles armaram a população, criaram gangues para oprimir o povo que queria se manifestar e é nesse sentido que hoje em dia as gangues tomam conta do poder, tomam conta do país e colocam o Haiti numa situação bem precária. Realmente, para resumir a situação do Haiti, é uma situação historicamente muito longa, mas, eu diria que foi um plano construído para realmente colocar o Haiti nessa situação. Ou seja, para resumir tudo isso, estamos ainda pagando o preço da nossa independência.
Desde o assassinato do presidente Jovenal Moïsse, o Haiti não tem um presidente. Até abril deste ano, Ariel Henry governava o país como primeiro-ministro mas foi impedido de voltar ao país por um movimento conhecido como “família G9”, liderado por Jimmy Chérizier, mais conhecido por seu apelido “Barbecue”. Você pode nos explicar o que Henry fazia fora do Haiti e qual é o caráter do movimento liderado o Barbecue?
É o seguinte, o Ariel foi colocado no poder depois do assassinato do presidente Jovenal Moïsse e realmente ele também era do mesmo esquema e não tinha também uma legitimidade popular porque maioria da população já estava se manifestando contra o governo dele. Ele não queria deixar o poder, ele queria manter um sistema favorável a ele.
O assassinato dele foi o embaixador dos Estados Unidos que, com um tuíte, colocou Ariel Henry no poder e desde então ninguém não conseguiu tirar ele do poder. Ele tinha como aliados os Estados Unidos, Canadá, França e os países europeus que na maioria apoiavam ele. Chegou um momento que ele não conseguia fazer a eleição porque para o sistema imperialista… é importante eles se colocam atrás de um, eu diria, não é eleição como nós sabemos que deveria acontecer, mas num determinado momento ele tem que organizar uma para renovar o sistema. Com as gangues que tomaram conta do país de forma geral, Ariel Henry não conseguiu fazer nada. Então ele estava viajando para os Estados Unidos e lá impedem ele de voltar para o Haiti. Nenhum país queria receber ele então ele teria que renunciar ao poder. O que ele fez, e o CARICOM (Mercado Comum e Comunidade do Caribe), usado pelo pelos potências internacionais, foi colocar um conselho presidencial de nove membros pra liderar o país.
Barbecue foi um policial que estava dentro do sistema da segurança do país e que durante o governo do presidente Jovenal Moïsse conseguiu realmente fazer um massacre, da população, das crianças, que foi uma coisa horrível naquela época, em 2018. Tinha um bairro que chama lá e a gente chama de Duas Mãos onde realmente massacraram a população, oprimiram a população. Essas mesmas gangues são usadas pelo poder porque esses bairros são bairros que, quando tem grande movimentos de manifestação, são bairros que conseguem mobilizar milhões de pessoas para realmente manifestar contra o governo. O que o governo fezatravés de Barbecue e de outras gangues que tem pelo país foi conseguir, através das gangues, manter esse fogo dentro do bairro, para não conseguir manifestar, para não sair desses bairros para manifestar. Então são pessoas que faziam parte do sistema.
Agora chegaram ao ponto é me parece que vai ter uma intervenção, o Barbecue conseguiu… Na verdade, não foi o Barbecue. Antigamente era a embaixada dos Estados Unidos que conseguia organizar as gangues dentro do Haiti. “Você é a gangue de tal bairro e você é a gangue de tal bairro, então vamos fazer uma organização para organizar vocês aqui para que vocês tomem decisões”. Não deu certo e cada gangue retornou ao seu bairro até porque eles não têm, essas gangues não têm uma formação, não têm um conhecimento, não têm uma causa realmente. Eles vão fazer o quê? Porque se você tem uma causa do povo, você não pode manter o povo oprimido, matando as pessoas que estão precisando você. A partir de um momento você sabe onde que está o sistema