Convalescença de uma traição

por Francisco Celso Calmon

É nessa situação que estou pontuando reflexões que tive antes e depois da cirurgia de retirada do apêndice.

A apendicite é uma doença traiçoeira; quando menos se espera, envia alguns sinais de dor. Vai-se ao hospital fazer uma tomografia e, de lá, não se sai mais a não ser pós-operado.

Preparação, operação, UTI e, finalmente, o quarto para receber alta.

Entre esses três ambientes, o da UTI é o menos brutal e o mais humanizado, cercado de acolhimento, solidariedade e acalento.

Fiquei a refletir se o Brasil estaria na UTI da inflação. E, analisando as medidas que o governo vem tomando para segurar a inflação dos alimentos, que atinge principalmente a classe média, nos leva a questionar se a lei da oferta e procura da economia capitalista pode ser revogada? Pode ser administrada?

São perguntas retóricas, porque não é possível revogar tal princípio econômico do sistema capitalista. Administrar, é possível, caso haja um Estado forte para planejar e controlar o desenvolvimento da economia, via câmbio, juros, incentivos e planos setoriais.

O Brasil não tem um Estado forte; pelo contrário, é fragmentário, sem unidade e, em regra, sob forte tensão da estratégia da direita golpista, que visa cronicamente subvertê-lo por meio de golpes.

Além de não termos um estado forte, não há unidade das instituições voltadas para a política econômica e a política monetária. A primeira, a cargo do governo, através de alguns ministérios; a segunda, a cargo do Banco Central. Sem sinergia entre essas instituições, o Brasil é como um barco, que ora rema para um lado e ora para outro.

O BC, que é como um cão adestrado na obsessão de cumprir metas irrealistas do Conselho Monetário Nacional, só concebe uma maneira de segurar a inflação: aumento dos juros.

De pronto, surge a indagação: como e quando as altas taxas de juros debelam a inflação, se são fatores inflacionários? É um banco caro, dispendioso e de uma receita só. Em vez de ser o Banco Central do Brasil, é o banco do mercado!

O capital financeiro dá um olé no ingênuo republicanismo do PT. O BC é a cabeça de ponte dos interesses do mercado.

Esse método só atinge parcialmente o objetivo quando leva a economia à retração. Até lá, e se ocorrer, quebra as empresas que têm pouco ou nenhum capital de giro, e os investimentos e o consumo encarecem, levando a mais inflação.

A política do autocrata dirigente do imperialismo estadunidense de levar a um fechamento de sua economia, desfazendo o globalismo construído a partir da queda do muro de Berlim, está significando subverter um outro princípio capitalista, que é o da concorrência entre produtos nacionais e estrangeiros. Essa eliminação vai gerar, em todo o mundo capitalista, inflação imediata pela ausência da concorrência e pela sobretaxação acrítica dos produtos do comércio internacional.

Por outro lado, essa política trumpista tem um propósito: uma experimentação de um outro modelo que traga oportunidades internas, ufanismo, xenofobia – uma preparação para mais guerras. Mas, em contrapartida, são oportunidades para outros países não dependerem tanto dos Estados Unidos e aproveitarem nichos para desenvolvimento próprio.

Na dialética geopolítica, o trumpismo fortalece o caminho do BRICS, como a única alternativa viável para impedir a debacle do mundo e a terceira guerra.

É preciso acordar: a oposição nacional é golpista, cuja estratégia é a da contrarrevolução ao Estado Democrático de Direito, e, para tanto, se alinha como sabujo ao propósito da submissão comandada pelo imperador Trump.

A convalescença de indagações faz-nos observar que aquela política alegórica de uma melancia pendurada no pescoço é o método marqueteiro, sem compostura, da máfia dos biltres bolsonaristas.

A fuga de Eduardo Bolsonaro, o filho número 2, não sei se poderemos classificar como uma covardia ou um passo nessa articulação na qual pedem até a intervenção de um governo estrangeiro no Brasil. Porém, há, sim, o aspecto da covardia, porque atiça os seus seguidores para a baderna e golpes, como foi o 8 de janeiro, e depois os abandona. Está mais para um rato do que para um homem.

Como o pai fugiu para os Estados Unidos, esperando que a intentona de 8 de janeiro fosse concretizada, podemos crer que esses movimentos, aparentemente erráticos, são sintomas de outro plano golpista.

Nesta semana do dia 28 de março, lembraremos com indignação e dor do assassinato do estudante secundarista Edson Luís, vítima da violência do Estado. Eu estava lá!

Enfrentamos vocês na ditadura com disparidade de armas, sem arregar, e vocês, membros da famiglia bolsonaro, com pedidos de anistia, com fugas para outros países, com um pé lá e outro cá – “Michelle candidata” –, demonstram táticas desconexas. Porém, não esqueçamos que o terrorista Bolsonaro não era nada a não ser um rebelde tenente, expulso do Exército, que virou presidente desta nossa esfrangalhada República.

Sair da UTI significa o governo sair da situação de cercado por fora, minado por dentro. 

 O semipresidencialismo orçamentário é mais um passo na consolidação desse cerco.

Quem sabe faz a hora e a conjuntura pede ousadia para ultrapassar os limites impostos pelas elites oligárquicas.

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.

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Last Update: 24/03/2025