Poluição mansa: um cenário de degradação
por Heraldo Campos
Uma restinga é um depósito arenoso subaéreo, produzido por processos de dinâmica costeira atual, formando feições alongadas e paralelas à linha de costa. Essas feições são relativamente recentes e instáveis e não fazem parte da planície costeira quaternária propriamente dita.
Um exemplo de restinga está localizada na desembocadura do Rio Indaiá, que divide as praias do Perequê Açu e da Barra Seca no município de Ubatuba, Litoral Norte do Estado de São Paulo.
Em relação à erosão costeira dessa área, a última atualização do Mapa de Risco à Erosão Costeira do Estado de São Paulo, elaborada em 2007, classifica a Praia do Perequê Açu com risco alto e a Praia da Barra Seca com risco muito alto.
No tocante a poluição dessas duas praias, um alerta já vinha sendo dado há mais de duas décadas. O Guia de Praias Quatro Rodas, de 1998, informa que as praias do Perequê Açu e da Barra Seca, localizadas em Ubatuba, ficam numa enseada de água mansa, rasa, com terminal turístico.
Na época em que foi editado o Guia, o terminal turístico, situado de frente para o mar e no meio da zona da faixa de areia da Praia do Perequê Açu, deveria estar funcionando, destinado para receber ônibus de excursões. No entanto, há algum tempo o terminal turístico não recebe mais ônibus de excursões e se observa pouca atividade nesse local público municipal.
Como essas duas faixas de areia têm mais cerca de três quilômetros de extensão, muito frequentadas pelos moradores e também por turistas, principalmente durante a temporada, e por estarem situadas bem próxima da área central da cidade e com vários quiosques, restaurantes e pousadas, não é difícil de se imaginar que a poluição na desembocadura do Rio Indaiá deve aumentar.
As intervenções humanas na faixa de areia da Praia do Perequê Açu são visíveis e vem aumentando ao longo dos últimos anos. Foram observados vários tipos de resíduos plásticos distribuídos de forma difusa, peixes mortos junto a restos de algas, depósitos de lixos a céu aberto próximo de quiosques, espuma de origem desconhecida acumulada na saída de galeria de águas pluviais, presença de cães na praia e espalhamento de objetos de oferenda religiosa.
Resumo da ópera: todo esse cenário descrito é de uma praia largada ao deus dará, sem fiscalização e a devida atenção por parte do poder público.
Desse modo, os efeitos de uma praia largada vem se agravando, como comprovam as recentes pesquisas. Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos e da Universidade Estadual Paulista publicaram estudo que investigou vestígios de microplástico em águas, areias e peixes em Ubatuba e detectaram grandes níveis de contaminação.
Pelo exposto, como nem tudo são flores, será que podemos dizer que a poluição mansa que vinha ocorrendo é um ponto sem volta, principalmente nesse mundo microscópico dos plásticos e seus derivados?
Os riscos para a saúde humana também já começam a aparecer, tanto na ingestão quanto na inalação de microplásticos. Além disso, os plásticos levam muito tempo para se decompor, uma vez descartados como resíduos sólidos domésticos.
“Se sobrevivermos, vamos brigar pelos pedaços de planeta que a gente não comeu, e os nossos netos ou tataranetos – ou os netos de nossos tataranetos – vão poder passear para ver como era a Terra no passado.” (Ailton Krenak)
Fontes e notas
[1] Souza, C. R. G.; Hiruma, S. T.; Sallun, A. E. M.; Ribeiro, R. R.; Sobrinho, J. M. A. “Restinga”: Conceitos e Emprego do Termo no Brasil e Implicações na Legislação Ambiental. São Paulo: Instituto Geológico, 2008. [2] “Praia largada”. Trecho da crônica do autor escrita em 18/12/2022, com informações do “Guia de Praias Quatro Rodas”, publicado pela Editora Abril em 1998. [3] “A praia sem coronavírus!”. Trecho da crônica do autor escrita em 14/04/2020 após a temporada do verão de 2020, durante os meses de janeiro e fevereiro. [4] “Peixes e praias de Ubatuba estão contaminados com microplásticos”. Citação de trechos da reportagem de Roberta Jansen e Clara Marques, publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 17/08/2024. [5] Mansor, M. T. C.; Camarão, T. C. R. C; Capelini, M.; Kovacs, A.; Filet, M.; Santos, G. A.; Silva, A. B. Resíduos Sólidos São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2013.Heraldo Campos é geólogo, mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências.