Pesquisadores das áreas de geoquímica de solos, engenharia ambiental e saúde, vinculados à Universidade de São Paulo (USP), à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e à Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), avaliaram os riscos de consumir banana, mandioca e polpa de cacau cultivados em solos contaminados pelos rejeitos de mineração de ferro no estuário do rio Doce, em Linhares (ES).
A região vem acumulando esse material desde o rompimento da barragem de Fundão (MG), ocorrido em novembro de 2015. Esses solos apresentam concentrações de cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo associadas ao principal componente dos rejeitos: os óxidos de ferro. A equipe também identificou um possível risco à saúde decorrente do consumo de bananas plantadas nessa área por crianças com até seis anos de idade.
“Nosso grupo investiga os impactos do rompimento da barragem há anos. Fizemos a primeira coleta sete dias após o acidente e logo percebemos o risco iminente de contaminação de plantas, solo, água e peixes. Restava saber: essa contaminação representa um perigo para a saúde humana?”, explica Tiago Osório, agrônomo e professor do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
Essa pergunta é abordada em artigo publicado na revista Environmental Geochemistry and Health, que descreve como as plantas absorvem elementos potencialmente tóxicos (EPTs) presentes nos rejeitos e os acumulam em partes comestíveis, permitindo sua entrada na cadeia alimentar.
O estudo integra o doutorado de Amanda Duim na Esalq, que já rendeu sete artigos internacionais e recebeu dois prêmios em 2025: o Prêmio USP de Tese, na área de Sustentabilidade, e o Prêmio Capes de Tese. Duim teve apoio da FAPESP com bolsa de doutorado.
Além disso, a FAPESP concedeu ao grupo duas bolsas de pós-doutorado (20/12823-5 e 21/00221-3), dois auxílios à pesquisa (23/01493-2 e 22/12966-6), uma bolsa do programa de fixação de jovens doutores e uma de iniciação científica.
Concentração elevada Duim, autora principal do artigo, explica que o diferencial do trabalho foi correlacionar o risco à saúde humana com a transferência dos EPTs do solo para as plantas. “O teor de óxidos de ferro no solo, principal constituinte dos rejeitos, está relacionado ao teor desses elementos na planta. Analisamos a passagem dos contaminantes do solo para a água e da água para a planta, incluindo folhas e frutos.”
Osório reforça que o primeiro passo é compreender quais elementos estão presentes e em quais quantidades, para então entender a dinâmica bioquímica de sua liberação. O doutorado de Duim começou em 2019, com foco em plantas de áreas alagadas usadas na remediação de ambientes contaminados.
“Estudamos espécies cultivadas e nativas. Nas nativas, buscamos entender como influenciam a dissolução dos óxidos de ferro e de que forma os EPTs entram na planta, já que espécies diferentes acumulam esses elementos de maneiras distintas”, explica. “Identificamos espécies promissoras para a remediação, resultados que já foram publicados. No caso das cultivadas, nosso objetivo era saber se os EPTs chegavam aos frutos e partes comestíveis.”
A pesquisadora descreve o processo. “Coletamos solo e planta; lavamos a planta; pesamos a biomassa fresca; secamos; pesamos novamente; trituramos separadamente raízes, caule, folhas e frutos sem casca. Então dissolvemos o ‘pó de planta’ com ácidos, obtivemos uma solução e determinamos sua concentração. Com isso, calculamos o teor de EPTs em miligramas por quilo de biomassa seca.”
Os resultados mostraram que banana e mandioca acumulam a maior parte dos EPTs (exceto cromo) nas partes subterrâneas. Já o cacau apresentou acúmulo mais elevado nas partes aéreas — caules, folhas e frutos. As concentrações de cobre e chumbo na polpa do cacau ultrapassaram os limites definidos pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Diante da presença de EPTs nas partes comestíveis, sobretudo acima dos valores recomendados, a equipe realizou uma análise de risco. Riscos à saúde Os pesquisadores estimaram os riscos do consumo de banana, rizoma de mandioca e polpa de cacau calculando o Quociente de Risco (QR), o Índice de Risco (IR) e o Índice de Risco Total (IRT) para crianças (menos de 6 anos) e adultos (acima de 18 anos).
O QR corresponde à razão entre a ingestão diária média de uma substância e sua dose de referência. O IRT, por sua vez, avalia potenciais riscos não cancerígenos — valores abaixo de 1 indicam baixa probabilidade de efeitos adversos.
“Esses elementos existem naturalmente no ambiente, mas, após um desastre como o de Mariana, a exposição tende a aumentar, e isso requer atenção redobrada”, explica Tamires Cherubin, doutora em ciências da saúde e coautora do estudo. Ela destaca que concentrações elevadas podem gerar problemas renais, cardíacos, gastrointestinais, pulmonares (quando inalados) e efeitos agudos como irritações na pele e nos olhos.
A análise considerou fatores como o consumo local dos alimentos, estimado a partir de dados do IBGE, o tempo de exposição, a massa corporal e o período necessário para que os efeitos adversos se manifestem.
Cherubin detalha os limites de ingestão diária adotados: 0,05 mg/kg para cádmio em frutas e 0,1 mg/kg em tubérculos; 0,5–1,0 mg/kg para cromo; 20 mg/kg para cobre; 0,5–1,0 mg/kg para níquel; 0,8–2,3 mg/kg para chumbo; e 50 mg/kg para zinco. Os resultados indicaram que, para adultos, os IRTs ficaram abaixo do nível de risco. Porém, no caso das bananas consumidas por crianças, o IRT ultrapassou o limite 1, sugerindo possíveis impactos à saúde.
O principal fator foi o elevado teor de chumbo, além de níveis de cádmio acima dos recomendados pela FAO. Segundo os pesquisadores, a exposição prolongada ao chumbo, mesmo em baixas doses, está associada a danos irreversíveis ao desenvolvimento neurológico — como reduções de QI, déficits de atenção e problemas comportamentais.
A equipe alerta que o consumo contínuo de alimentos cultivados em solos contaminados pode gerar riscos cumulativos ao longo da vida. “Considerando a expectativa de vida no Brasil, cerca de 75 anos, há o risco de efeitos carcinogênicos, já que esses elementos podem causar danos diretos e indiretos ao DNA”, afirma Cherubin.
Mutações desse tipo podem aumentar a incidência de cânceres no sistema nervoso central, trato gastrointestinal e sistema hematológico. “Tudo depende da capacidade do organismo de absorver e metabolizar esses elementos.”
O artigo From tailings to tables: risk assessment of potentially toxic elements in edible crops cultivated in mine tailing impacted soils está disponível neste link.
*Com informações da Agência Fapesp.
LEIA TAMBÉM: